São Paulo, segunda-feira, 7 de agosto de 1995
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Os partidos de esquerda

FLORESTAN FERNANDES

Existe entre os partidos de esquerda uma tendência arraigada de afunilar suas atividades na direção das disputas eleitorais. Levam ao pé da letra o princípio segundo o qual as agremiações dissidentes devem lutar pelo poder. Conquistam, com isso, posições no Legislativo e no Executivo, o coração do ``poder oficial". Mas, acomodados às normas dos partidos fiéis à dinâmica da estabilidade política, dão as costas à situação de classe dos trabalhadores.
As classes dominantes possuem fundamentadas razões para proceder desse modo. Desfrutam do poder político indireto, inerente ao poder econômico, e detêm vastas parcelas do poder especificamente político, que chega às suas mãos pelos próprios partidos, organizações corporativas muito fortes e do Estado, sempre inclinado a dar prioridade aos interesses e exigências dos que mandam.
Não há dúvida que os partidos de esquerda devem competir pelas posições-chave do poder institucional. Abrem-se por aí vias importantes de controle social das mudanças estruturais. Mas restringir-se a isso implica desistir da socialização ideológica e política dos de baixo e, simultaneamente, abrir mão de reforçar as facilidades do acesso do povo à cidadania militante.
As formações sociais que absorvem ou excluem os trabalhadores de todos os níveis e os sem classe têm, por definição, importância crucial para a estratégia dos partidos de esquerda. Não se pode assoprar o fogo sem comprimir ar dentro da boca. A oposição dos de baixo pode desarvorar-se no nascedouro se a esquerda ``tolerada" pela ordem não tiver sólida implantação nas camadas populares e na rede de relações das classes assalariadas com o capital.
Movimentos sociais organizados e espontâneos precisam ser ativados pela esquerda em sentido ideológico e político. Os modelos dos partidos conservadores e liberais não servem à esquerda. Eles se adaptam exclusivamente à reprodução do sistema social estabelecido. Ora, os de baixo e, especialmente, os sem classe querem mudanças que transformem ou subvertam a ordem e restrinjam as desigualdades sociais, raciais, culturais e políticas que lhes retiram qualquer perspectiva de participação contestadora.
O caminho dos oprimidos passa por sua emancipação e desalienação. Se isso não ocorre, a culpa principal cabe aos partidos políticos, que deveriam servir como seus instrumentos de ação. Eles geram conformismo ou encurralamento, concorrendo para alinhá-los às necessidades e às expectativas de ``paz social" dos de cima.
É preciso que os partidos de esquerda adotem o padrão de dois planos de ação interdependentes -educação política dos trabalhadores e representação institucional. O Parlamento tem por função transferir as grandes questões nacionais para o âmbito de seus plenários. Tais problemas encontram as ``soluções possíveis", com vantagens desproporcionais para as classes dominantes e suas elites. O povo ganha alguma voz, mas continua sem vez.

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