São Paulo, quarta-feira, 9 de agosto de 1995
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Aos 38, Ruy Ramos é o destaque japonês

Jogador oferece 'dor' pelo sucesso

MÁRIO MAGALHÃES
DO ENVIADO A TÓQUIO

O brasileiro Ruy Ramos chegou ao Japão no dia 29 de março de 1977 -ele decorou a data- para "ganhar um dinheirinho, ficar dois anos e voltar para o Brasil".
Mais de 18 anos depois, ele disse ontem, no estádio Nacional de Tóquio: "Voltar ao Brasil? Jamais! Agora é que está bom. Tudo o que eu tenho devo ao Japão."
Ganhando mais de US$ 100 mil por mês, ele não sofre da saudade que fez vários atletas brasileiros deixarem o Japão.
``Se eu voltar para o Brasil ninguém vai me conhecer, não vou ter carinho." Todo ano, entretanto, ele planeja passar 40 dias no país natal.
Não consegue ficar mais de 20. ``O que o povo brasileiro está sofrendo não é brincadeira. Ver tudo aquilo me deixa mal."
``Tudo aquilo" lembra um pouco o seu passado de pobreza. Aos 10 anos, Ramos se mudou de Mendes (RJ) com a mãe, depois da morte do pai.
Foi viver no bairro do Ipiranga, na capital paulista. Para ajudar no orçamento de casa, ``lavava carros, pintava portões, arrumava telhados e trabalhava em uma gráfica".
Nas horas de folga, jogava futebol. Um amigo, descendente de japoneses, se mudou para o Japão, onde o futebol ainda era amador.
Convidou Ramos para ganhar US$ 1.000,00 mensais para defender um clube local.
``Vim para o Japão só preocupado em arrumar uma casinha para a minha mãe", lembra o meia da seleção japonesa.
``Tem gente que vem e não diz o motivo. Não tenho vergonha: vim por causa do dinheiro, para ajudar a minha família."
Ele conta que sofreu no início: ``Como eu jogava de zagueiro, botavam a culpa em mim por todos os gols. Não havia videoteipe dos jogos para eu provar que não falhava".
``O pior é que diziam que eu prejudicava o time por não falar japonês. Quem é de fora sofre aqui." Hoje, ele domina o idioma local com relativa fluência, segundo jornalistas japoneses.
``Houve muitas outras dificuldades, que prefiro não lembrar", diz.
Elas são cada vez mais raras. Há dois anos, estava ``enrascado", nas suas palavras.
Por isso, fez no ombro esquerdo a tatuagem de uma águia voando ao lado da bandeira japonesa.
``Eu ofereci a Deus a minha dor. Me haviam dito que tatuagem fazia morrer de dor. Então fiz a promessa de sofrer para acabar com meu problema. Deu tudo certo."
Ramos se naturalizou há seis anos para poder defender a seleção japonesa. A mudança de nacionalidade foi possível porque ele é casado com uma japonesa -os dois filhos do casal, Fabiana e Fabiano, têm nomes brasileiros.
A legislação futebolística permite que um naturalizado passe a jogar por seu novo país, desde que nunca tenha integrado alguma seleção, profissional ou amadora, de seu país de origem.
Outros ``ex-brasileiros" que passaram a defender outras seleções nos últimos anos foram o volante Donato (Espanha) e o atacante Oliveira (Bélgica).
Aos 38 anos, Ramos sonha disputar a Copa do Mundo da França, em 98. ``Mas, agora, me satisfaço em jogar pelo menos um pouco contra o Brasil."
Uma contusão no tendão de Aquiles direito dificulta sua locomoção. Nos tornozelos e pulsos, ele carrega fitas do Senhor do Bonfim.
Se o Japão vencer a disputa com a Coréia do Sul para abrigar a Copa de 2002, Ramos tem planos.
``Quero ser o técnico da seleção japonesa. Jogando aqui, não precisamos passar pelas eliminatórias. Fica fácil."
(MM)

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