São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 1995
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A ética na cirurgia plástica

MUNIR MIGUEL CURI

Ética é a ciência da moral. Dentro desse conceito clássico e enciclopédico, universalmente aceito desde a era de Hipócrates e em todos os campos de atividade humana, torna-se muito difícil, sendo mesmo inviável estabelecer critérios éticos e absolutos, indeformáveis no tempo e no espaço.
Sim, porque a ciência é um acervo de conhecimentos progressivos e mutantes. Cada uma de suas conquistas tem o irrecusável poder de alterar, subverter e até anular precedentes, impondo novos princípios, novas leis e técnica mais evoluída de pesquisa e aplicação, enquanto a moral, em si, não sendo essencialmente inflexível, é, contudo, alicerçada em preceitos subjetivos que visam à prática do bem, à conduta pessoal e social conveniente, à preservação das virtudes individuais e coletivas.
Os filólogos acabaram por determinar que a ética seria a ciência da moral, e a moral o objeto direto dessa ciência.
Assim, chegamos à ética médica e, particularmente, à ética da cirurgia plástica, de evolução vertiginosa e incontida, a mais bela expressão de ciência-arte na abrangente seara da medicina moderna.
O juramento de Hipócrates, compromisso rigorosamente cumprido pela classe médica, institui as pedras basilares da moral profissional. Ocorre que desde a época em que foi formulado pelo pai da medicina, há quase 25 séculos, até o atual ciclo de desenvolvimento científico e tecnológico, a iátrica assumiu proporções gigantescas, criou inúmeras especialidades, inventou sistemas e instrumentos que exercem profunda influência social na preservação da saúde mental e física, psicológica e fisiológica, funcional e anatômica das criaturas humanas e aglomerados.
A cirurgia plástica, ciência-arte nova e inovadora, não tem como fugir à readaptação de seus hábitos hipocráticos às exigências (benéficas) do progresso médico e suas concepções inéditas. Afora os mandamentos que não se infringem, da moral cristã e doméstica, há pormenores de conduta que os cirurgiões-plásticos devem observar - mais por uma questão de elegância e prevenção que de moralidade ou rigor ético.
No exercício da cirurgia plástica corretiva reconstrutiva, é obvio que o especialista diagnostica e age, por determinação própria, pela melhor forma de devolver ao paciente a integridade perdida, seja qual for o processo empregado. Não nos olvidemos, contudo, de que esse segmento da cirurgia moderna é constantemente utilizado em intervenções meramente estéticas, em que o cliente procura apenas apurar o seu aspecto físico -embelezar-se, deixar de ser calvo, suprimir umas gordurinhas, endireitar as orelhas abanadas, arrebitar o nariz, niponizar os olhos, esticar o "double-menton" -, e nessa hipótese o cirurgião tem o dever de satisfazer os caprichos do cliente, desde que o resultado estético não produza males de outra ordem no "reciclado". Eticamente bem entendido, o cirurgião-plástico não deve induzir o paciente a "mudar de gosto", ainda que discorde dele sob pena de, se o fizer, ao final ser acusado de incompetência e desídia.

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