São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 1995
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Florestan Fernandes morre aos 75 em SP

DA REPORTAGEM LOCAL

O sociólogo e ex-deputado federal Florestan Fernandes, 75, morreu ontem às 2h30 em São Paulo de parada cardíaca. Ele se recuperava de um transplante de fígado realizado na sexta-feira.
Florestan foi velado durante todo o dia no Salão Nobre da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo).
No fim da tarde, seu corpo seria cremado no cemitério de Vila Alpina (zona leste). A cerimônia não se realizou por causa de uma ordem judicial determinando a realização de uma autópsia para verificar o motivo da morte.
O velório reuniu intelectuais, lideranças do PT e representantes do presidente Fernando Henrique Cardoso, entre os quais a primeira-dama Ruth Cardoso. Assim como FHC, ela também foi aluna de Florestan na década de 50.
Apontado por seus discípulos como um dos principais responsáveis pela consolidação da sociologia no país, Florestan soube como poucos conciliar a vida acadêmica com a militância política.
Petista, exerceu dois mandatos de deputado federal (1987-1991 e 1991-1995). Um dos últimos marxistas notáveis da legenda, acreditava em uma revolução socialista.
A paixão política não impediu que Florestan imprimisse a seu trabalho acadêmico um rigor científico que ficou ligado de forma indissociável à sua imagem.
"Florestan representou um marco na sociologia, no sentido de exigência de rigor de pesquisa, metodologia e seriedade de interpretação", disse ontem o historiador Jacob Gorender.
A carreira acadêmica de Florestan começou na USP em 1945. Desde então, teve um papel fundamental no desenvolvimento da sociologia no país e tornou-se um paradigma na área.
Na opinião de Gorender, Florestan conseguiu algo raro: tornar-se o líder de uma escola de pensamento social. Nessa condição, influenciou gerações de sociólogos. O mais famoso deles é o presidente Fernando Henrique Cardoso, que considera Florestan um de seus principais mentores.
Em 1965, Florestan tornou-se professor titular da USP, após defender tese ``A Integração do Negro na Sociedade de Classes", em 1964. Em abril de 69, foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5.
Perseguido e sem condições de exercer sua profissão no Brasil, exilou-se no Canadá, tendo se tornado professor titular da Universidade de Toronto. Em 1972, decidiu retornar ao Brasil.
Florestan nasceu em 22 de julho de 1920, na cidade de São Paulo. De origem humilde, Florestan foi engraxate na infância e garçom até ingressar na universidade. Essa trajetória marcou a preocupação social de seu trabalho acadêmico.
Na opinião do diretor da Faculdade de filosofia da USP, João Baptista Borges Pereira, Florestan foi o renovador da sociologia no Brasil. "Ele dizia a seus estudantes que, ao trabalharem com ciências sociais, deveriam ter um compromisso com a realidade que os circundava", disse Pereira. Outro aspecto dessa orientação, segundo Pereira, foi a realização de trabalhos em áreas até então negligenciadas, como a questão racial.
A preocupação com a realidade se manifestou também na intensa publicação de trabalhos em jornais. Florestan era colunista da Folha desde 1989. Ele escrevia às segundas-feiras na página 2.
A militância política de Florestan estava retratada em seu velório. Atrás de seu caixão, pendiam duas bandeiras vermelhas -uma do PT e uma do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. A elas foi acrescentada uma coroa de flores vermelhas em formato de estrela, rodeada de rosas brancas.
No final do velório, Florestan foi homenageado por professores, alunos e grupos de negros. O deputado federal Ivan Valente (PT-SP) falou em nome do PT.
Florestan carregou até a morte a convicção de que o socialismo era o melhor caminho para o país. Quando entrava na sala de cirurgia na sexta-feira, disse uma frase que é o retrato da paixão que o acompanhou por toda a vida: "O que me mantém vivo é a chama do socialismo que está dentro de mim".
No PT, Florestan era um mito. Simpatizante dos grupos mais ortodoxos do petismo, transitava em todas as alas sem hostilidade. Casado com Myrian Rodrigues Fernandes, o sociólogo teve cinco filhas e um filho.

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