São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 1995
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Fonseca retrata barbárie em novos contos

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Livro: O Buraco na Parede
Autor: Rubem Fonseca
Páginas: 159
Preço: R$ 15

Começa a chegar amanhã às livrarias o novo livro de Rubem Fonseca, 70, o volume de contos ``O Buraco na Parede".
Há motivo para comemorar. Aparentemente curado da síndrome de Umberto Eco que nos últimos anos o fez produzir livros pretensiosos e invertebrados, o autor está de volta ao seu elemento: a narrativa curta centrada no tema da violência.
Como provam as oito histórias de ``O Buraco na Parede", nenhum outro autor nacional sabe transformar como Fonseca a velocidade narrativa, a alternância de vozes e a crueza verbal em armas de ataque. O leitor que se cuide.
Não se trata só da força bruta reinante no universo policial, que o escritor, como ex-delegado, conheceu por dentro. Nem tampouco da violência ocasional, psicológica, de indivíduos perturbados pela ``loucura da vida urbana". É de uma brutalidade mais congênita e essencial que fala Rubem Fonseca.
Nos contos de ``O Buraco na Parede", essa brutalidade não é patrimônio de nenhuma classe ou meio social. É uma espécie de resquício ancestral e bárbaro que espreita no fundo de cada indivíduo.
Impulsos homicidas contagiam bancários (em ``O Anão"), empresários (``Placebo"), novos-ricos (``Artes e Ofícios"), amantes de classe média (``Idiotas que Falam Outra Língua"), jovens de subúrbio (``O Buraco na Parede").

Mudanças bruscas
Já faz tempo que Fonseca livrou-se de tudo que não é essencial ou que perturba a crueza da exposição. Seus diálogos dispensam travessões ou aspas; as mudanças de tempo, local e personagem são bruscas como socos; os desfechos, abruptos e inesperados.
Nos contos deste novo livro, o autor ao mesmo tempo depura e sofistica seus recursos.
Num conto como ``Idiotas que Falam Outra Língua" ele cria uma farsa teatral com poucos personagens e ação vertiginosa: uma comédia de erros entre um homem, sua mulher, o amante desta e os amantes daquele. O saldo da brincadeira é um par de mortos.
Em ``Artes e Ofícios", a forma adotada é a do monólogo. Um novo-rico expõe sem autocensura sua trajetória de ``self made man" que contrata uma pessoa para escrever um romance em seu nome.
O conto, originalmente, tinha outro final: o narrador matava a ``ghostwriter". Em tempo, o autor mudou para um final mais sarcástico e irônico.
Em ``Orgulho" o monólogo interior é radicalizado: a vertigem de um homem à beira da morte é exposta num único período de três páginas. O conto tem origens autobiográficas: como seu personagem, Fonseca viu a morte de perto ao sofrer um choque alérgico numa clínica.
O conto que dá título ao volume, sobre um tímido rapaz pobre que passa seus dias na biblioteca pública, começa com uma frase que resume lindamente o clima do livro: ``Nunca pensei que um dia me pediriam para matar uma pessoa, mas isso aconteceu ontem".
Nessa narrativa, como em quase todas do livro, há um falso final feliz. A enganosa felicidade dos personagens de Fonseca se constrói sobre cadáveres. Entre mortos e feridos, não se salva ninguém.

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