São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 1995
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Onde a pátria começa

JOSÉ SARNEY

A grande e maior crise, de uma profundidade que não pode ser calculada, é a crise da Federação. A República foi feita contra o Estado unitário, contra a centralização de poderes, na ilusão de um país que, como os Estados Unidos, mantivesse sua unidade, na solidez de Estados que, com autonomia, se reunissem para assegurar a existência de um grande país.
Talvez pudéssemos deduzir uma lei de política estratégica: nenhum país de grande território sobrevive sem ser uma federação. A Federação é capaz de conjugar interesses regionais ao elo maior da União. A concepção de Estado-nação, concebida por Wilson e tornada direito internacional com a Liga das Nações, continha princípios de etnia e, por isso mesmo, considerava inviável que a cada nação não correspondesse um país. Isso é tão verdadeiro e forte que a história confirmou, em 1914, na crise dos Bálcãs que deflagrou a Primeira Guerra Mundial, e na mesma crise, depois da Segunda Guerra Mundial, com a tragédia da Bósnia-Herzegóvina e o túmulo da antiga Iugoslávia. Mas há um fato mais recente, com a desintegração da URSS: os regionalismos passaram a ser tão fortes quanto as etnias. Os grandes países se fragmentam com as desigualdades, com a ausência de autonomias regionais e a predominância de regiões ricas sobre áreas pobres. Esse é um caminho inexorável.
A Federação é a grande vacina contra tudo isso. Ela é a chave da unidade, e com esse conceito não se deve brincar. A República, ao ser proclamada, extinguia o Império, mas criava a Federação, consideradas, a República e a Federação, cláusulas pétreas pela Constituição, que jamais podem ser tocadas. Mas a lei não destrói os fatos. É preciso vigiar. Já dizia o velho Camões: ``Não louvarei o capitão que diga `não cuidei'."
A verdade é que há um processo contínuo, de ladeira abaixo, de destruição da Federação.
Veja-se a crise dos Estados. Olhe-se a geopolítica do governo. Um passo a mais nessa direção está na formulação, naquilo que não se vê na reforma tributária. O plano de emergência que possibilitou o Real foi feito à custa dos recursos estaduais. Agora a política de incentivos à exportação, os novos impostos que não entram no ``bolo da distribuição entre Estados e municípios" aumentam e os outros caem.
A crise dos Estados é a falência da União, que é a soma de todos eles.
Teixeira Júnior dizia: ``Minha pátria começa no meu distrito". Nossa pátria é a soma de todas as nossas raízes.
Quanto mais regional, mais universal.

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