São Paulo, sábado, 12 de agosto de 1995
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Os miseráveis 2

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

O Brasil não é um país pobre, mas um país com muitos pobres. Nesse sentido, o problema do Brasil é de distribuição da renda. Se o problema é de distribuição, um programa de garantia de renda mínima que transfira uma parte da renda dos mais ricos para os muito pobres certamente poderia minorar o problema da pobreza no país.
A pergunta é como desenhar um programa como esse de tal forma a evitar que os não-pobres consigam se apropriar de parte da renda distribuída e que os incentivos para os efetivamente beneficiados não induzam comportamentos que reduzam a produtividade e a capacidade de geração de renda futura.
Suponha que seja implementado um programa que adote como critério de acesso à transferência a renda declarada pelo trabalhador. Por exemplo, que cada trabalhador receba 30% da diferença entre dois salários mínimos e sua renda mensal, como propõe o projeto do senador Eduardo Suplicy. Esse programa custaria 5% do PIB.
Nesse caso, entretanto, qualquer trabalhador teria um incentivo para declarar uma renda menor do que a que recebe, aumentando sua renda mensal.
Se o trabalhador ganha um salário mínimo e declarar que ganha um salário mínimo, a transferência de renda seria de 30% do salário mínimo e a renda total do trabalhador seria de 1,3 salário mínimo. Se a renda declarada for de 0,5 salário mínimo, a transferência seria de 45% do salário mínimo e a renda total do trabalhador seria 1,45 salário mínimo. O custo ficaria indeterminado.
Porém, como a única forma de checar a renda do trabalhador é através do salário declarado na carteira de trabalho, esse critério criaria um incentivo para que os trabalhadores negociassem a não-assinatura da carteira de trabalho.
Assim, trabalhador e empresário ganhariam, este último por não ter que pagar as obrigações referentes à previdência social etc. Perderia o governo, que teria um custo maior com o programa e deixaria de arrecadar parte das obrigações do empregador. Além disso, o programa teria o efeito de aumentar a informalidade do mercado de trabalho. A pergunta é: seria possível desenhar um programa que não tivesse esses problemas?
Para tal, seria necessário adotar um critério de acesso que não dependesse diretamente da renda do trabalhador, mas, sim, correlacionado a ela. É por essa razão que sugerimos em artigo nesta Folha (``Os miseráveis", 23/3/93) que esse critério fosse a manutenção de todos os filhos matriculados em escolas públicas, similar ao adotado pelo governador Cristovam Buarque.
Além de evitar os problemas acima, esse critério criaria um incentivo para que as famílias mantivessem seus filhos na escola por mais tempo, aumentando a produtividade futura da economia.

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