São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Painel de virtudes e vícios

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Quando eu preparava um livro sobre os jornalismos norte-americano e brasileiro no Woodrow Wilson Center, em 1987, fui procurado por Joseph Page, professor de direito da Universidade de Georgetown.
Ele queria conversar comigo sobre seu mais recente projeto de livro, que se chamaria ``The Brazilians" (Os Brasileiros). A ambição de Page me deixou muito impressionado e um pouco cético.
Ele pretendia, nada mais nada menos, identificar e descrever os traços de cultura coletiva que distinguem como povo as pessoas que moram no Brasil.
O resultado está no volume de 540 páginas editado pela Addison-Wesley, que chegou às livrarias dos EUA no mês passado.
O trabalho de Page passa a ser elemento indispensável de apresentação do Brasil para os que não o conhecem ou conhecem pouco.
Mas, como seria esperável de empreitada de tal porte, tem diversos problemas, em especial para os seus leitores brasileiros.
Um dos grandes méritos do livro é que ele passa bem longe das visões maniqueístas com que é comum se descrever países ou povos.
Page apresenta uma visão equilibrada dos brasileiros. Ressalta virtudes e vícios. Trata com senso crítico aguçado a cultura da brutalidade, a estrutura de classes petrificada e injusta, a inacreditável insensibilidade diante da chacina diária de crianças pobres que marcam o Brasil.
Mas também ressalta as qualidades do povo por quem se deixou cativar há 32 anos, em especial sua capacidade de conviver com diferenças, de contornar problemas de maneira habilidosa e cordial.
O principal problema é que a tentativa de explicar fenômenos que ele em geral descreve bem é, com frequência, superficial.
É verdade que, na primeira página do prefácio, o autor já avisa: ``Eu não me considero um brazilianista. Este não é um livro acadêmico".
Mesmo assim, é uma pena que Page não tenha usado mais, por exemplo, ``O Espelho de Próspero", trabalho do historiador Richard Morse, para encontrar no passado muitas das razões para o comportamento brasileiro.
É interessante comparar ``The Brazilians" com o também recente ``O Povo Brasileiro", de Darcy Ribeiro. Está certo que Ribeiro é antropólogo e Page advogado. Mas o livro de Ribeiro talvez seja menos acadêmico.
No entanto, Ribeiro não compra como Page versões fáceis do passado brasileiro como a de que os jesuítas eram ``a principal fonte de proteção e de apoio" dos indígenas do país no século 16.
Mesmo nos temas contemporâneos, Page às vezes supersimplifica os fatos (atribui as quedas de Getúlio, Jânio e Jango quase exclusivamente à ação política de Carlos Lacerda) e gasta muito espaço precioso na descrição de trivialidades (como as fofocas da corte de Collor).
Outras vezes, cai em contradições ostensivas, como quando constata como a Rede Globo não consegue derrotar Leonel Brizola no Rio, mas, mesmo assim, considera a emissora como uma das responsáveis pela eleição de Collor.
O capítulo em que a Globo é o principal personagem, no entanto, é um exemplo notável do equilíbrio que marca todo o trabalho. Poucos brasileiros conseguem ser tão ponderados e fiéis aos fatos quando tratam do assunto.
Tudo é redigido em saboroso e atraente texto jornalístico, quase sempre com absoluta precisão factual.
Mas Page poderia ter dado a alguns dos seus muitos amigos brasileiros a tarefa de rever a grafia de alguns nomes, o que lhe teria evitado o constrangimento de ver erros como Vinicius de Morães, Maria Creúsa, Vale do Amanecer, que podem provocar o afastamento de leitores apressados.
Seria uma pena que alguém deixasse de ler este livro motivado por pequenos deslizes perfeitamente evitáveis.

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