São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995 |
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Painel de virtudes e vícios
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
Ele queria conversar comigo sobre seu mais recente projeto de livro, que se chamaria ``The Brazilians" (Os Brasileiros). A ambição de Page me deixou muito impressionado e um pouco cético. Ele pretendia, nada mais nada menos, identificar e descrever os traços de cultura coletiva que distinguem como povo as pessoas que moram no Brasil. O resultado está no volume de 540 páginas editado pela Addison-Wesley, que chegou às livrarias dos EUA no mês passado. O trabalho de Page passa a ser elemento indispensável de apresentação do Brasil para os que não o conhecem ou conhecem pouco. Mas, como seria esperável de empreitada de tal porte, tem diversos problemas, em especial para os seus leitores brasileiros. Um dos grandes méritos do livro é que ele passa bem longe das visões maniqueístas com que é comum se descrever países ou povos. Page apresenta uma visão equilibrada dos brasileiros. Ressalta virtudes e vícios. Trata com senso crítico aguçado a cultura da brutalidade, a estrutura de classes petrificada e injusta, a inacreditável insensibilidade diante da chacina diária de crianças pobres que marcam o Brasil. Mas também ressalta as qualidades do povo por quem se deixou cativar há 32 anos, em especial sua capacidade de conviver com diferenças, de contornar problemas de maneira habilidosa e cordial. O principal problema é que a tentativa de explicar fenômenos que ele em geral descreve bem é, com frequência, superficial. É verdade que, na primeira página do prefácio, o autor já avisa: ``Eu não me considero um brazilianista. Este não é um livro acadêmico". Mesmo assim, é uma pena que Page não tenha usado mais, por exemplo, ``O Espelho de Próspero", trabalho do historiador Richard Morse, para encontrar no passado muitas das razões para o comportamento brasileiro. É interessante comparar ``The Brazilians" com o também recente ``O Povo Brasileiro", de Darcy Ribeiro. Está certo que Ribeiro é antropólogo e Page advogado. Mas o livro de Ribeiro talvez seja menos acadêmico. No entanto, Ribeiro não compra como Page versões fáceis do passado brasileiro como a de que os jesuítas eram ``a principal fonte de proteção e de apoio" dos indígenas do país no século 16. Mesmo nos temas contemporâneos, Page às vezes supersimplifica os fatos (atribui as quedas de Getúlio, Jânio e Jango quase exclusivamente à ação política de Carlos Lacerda) e gasta muito espaço precioso na descrição de trivialidades (como as fofocas da corte de Collor). Outras vezes, cai em contradições ostensivas, como quando constata como a Rede Globo não consegue derrotar Leonel Brizola no Rio, mas, mesmo assim, considera a emissora como uma das responsáveis pela eleição de Collor. O capítulo em que a Globo é o principal personagem, no entanto, é um exemplo notável do equilíbrio que marca todo o trabalho. Poucos brasileiros conseguem ser tão ponderados e fiéis aos fatos quando tratam do assunto. Tudo é redigido em saboroso e atraente texto jornalístico, quase sempre com absoluta precisão factual. Mas Page poderia ter dado a alguns dos seus muitos amigos brasileiros a tarefa de rever a grafia de alguns nomes, o que lhe teria evitado o constrangimento de ver erros como Vinicius de Morães, Maria Creúsa, Vale do Amanecer, que podem provocar o afastamento de leitores apressados. Seria uma pena que alguém deixasse de ler este livro motivado por pequenos deslizes perfeitamente evitáveis. Texto Anterior: Americano contesta o ``país do futuro" Próximo Texto: Invenções de brasilidade Índice |
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