São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Desastres de fim de século

LUIZ CARLOS B. MOLION
ESPECIAL PARA A FOLHA

No início do século passado, as décadas dos anos 10 e 20 foram marcadas por um número grande de terremotos e pelo menos 30 erupções vulcânicas de grande magnitude.
Dentre estas, destacou-se a erupção do Vulcão Tambora, nas Ilhas Lesser Sunda, em 1815, considerada a mais violenta dos últimos 5.000 anos.
Os efeitos destruidores de uma erupção afetam apenas as localidades próximas de onde acontece. Porém, uma erupção de grande magnitude lança material particulado e gases diretamente na atmosfera terrestre, entre 20 km e 40 km de altura, criando uma "cortina que diminui a intensidade da radiação solar e afeta o clima do planeta como um todo, tornando-o relativamente um pouco mais frio.
O Brasil não sofre destruições provocadas por grandes abalos sísmicos ou erupções vulcânicas, mas ocorrem grandes distúrbios climáticos, como excesso de chuvas nas regiões Sul e Sudeste e secas severas no Norte e Nordeste do país.
Em consequência da erupção do Tambora, o ano de 1816 foi considerado pelo professor Henry Stommel, do MIT (sigla em inglês para Instituto de Tecnologia de Massachussets), nos EUA, como o "ano sem verão para o hemisfério Norte, pois boa parte dos lagos no Canadá permaneceram com gelo e se encontraram também blocos de gelo boiando no Rio Tâmisa, em Londres (Reino Unido), em pleno julho (verão).
No início deste século, agora já com registros melhores do que há 90 anos, as duas primeiras décadas apresentaram 72 grandes terremotos, de magnitude superior a 8.0 na escala Richter, sendo dez deles considerados gigantes, excedendo a magnitude de 8.5.
Aconteceram 56 grandes erupções vulcânicas, entre as quais merecem destaque o Vulcão Santa Maria (Guatemala) em 1902, o Krudack (Rússia) em 1907 e o Novarupta (Alasca) em 1912.
Como consequência, a região Nordeste do Brasil sofreu secas severas nos anos de 1900, 1903/04, 1907/08, 1914/15 e 1919 e as duas décadas foram relativamente mais secas em média, enquanto, no Sul do país, ocorreu o contrário.
Já são passados mais 90 anos. Será que tais catástrofes vão se repetir? Existe uma explicação física plausível para essa aparente periodicidade de 90 anos?
Uma provável hipótese é que essas catástrofes estejam ligadas à atividade solar. O Sol tem um ciclo de 11 anos em que um certo número de manchas -regiões relativamente mais frias que se deslocam das regiões extratropicais para o equador na superfície do Sol- surgem e desaparecem.
Quanto maior o número de manchas, maior é a atividade solar, em princípio. Porém, o número máximo de manchas solares não é constante nos ciclos de 11 anos.
O número máximo de manchas cresce, atinge um pico e diminui num período que dura cerca de 90 anos. Esse ciclo da variação do número máximo de manchas é chamado de Ciclo de Gleissberg.
Exemplificando, no ciclo atual, cerca de 60 manchas ocorreram no início desse século, atingiu-se o pico com cerca de 200 em 1957/58 e está se caminhando para um mínimo, isto é, um período de baixa atividade solar, no final desse século e início do próximo.
Essa variação na atividade solar parece não interferir diretamente no clima da Terra, pois a redução do total de radiação emitida pelo Sol varia entre 0,1 a 0,2%, o que seria muito pouco para provocar distúrbios climáticos.
Porém, ela pode interferir indiretamente, através da interação do vento solar com o campo magnético terrestre.
O vento solar é o fluxo de plasma, constituído de partículas elétricas, basicamente prótons e elétrons, que se desloca do Sol em direção aos planetas a uma velocidade média de 1,6 milhão km/h.
Similar ao vento atmosférico, o vento solar apresenta "rajadas, que podem ser fortíssimas, dependendo da magnitude das explosões solares.
Ao passar pela Terra, as rajadas do vento solar produzem violentas ondas de choque no campo magnético terrestre.
Sem descer a mais detalhes intermediários, o resultado é que a rotação da Terra sofre pequenos abalos ou "trancos, que podem ser medidos pelas variações de poucos milissegundos no aumento ou diminuição da duração do dia terrestre.
Ora, a crosta terrestre não é contínua e sim formada de 12 grandes placas, as placas tectônicas. Essas estão continuamente submetidas a uma tensão de cisalhamento, ou seja, as extremidades de uma placa estão sobre as extremidades de outra e são impedidas, pelo atrito, de deslizarem umas sobre as outras.
À medida que o tempo passa, essa tensão vai aumentando e as placas se deslocam, provocando terremotos e disparando vulcões.
Se uma placa estiver pronta para se deslocar, então basta um pequeno "tranco na rotação da Terra para que ela se desloque e provoque catástrofes.
As maiores variações do vento solar -e, portanto, as rajadas intermitentes- ocorrem quando o Ciclo de Gleissberg atinge ou um máximo ou um mínimo. E, coincidentemente, é nesses períodos que a Terra sofre mais trancos em sua rotação, aumentando a frequência dos terremotos e explosões vulcânicas.
Essas, por sua vez, causam grandes impactos no clima e nas atividades humanas.
Coincidentemente, está acontecendo uma série de catástrofes consecutivas nos últimos anos, como os grandes terremotos de São Francisco (1989) e Los Angeles (1990), ambos na Califórnia (EUA), o do México e Japão, em 1990, e vários terremotos de grande magnitude, como os de Java, Colômbia e Peru, ocorridos no ano passado.
Estiveram entre as maiores erupções vulcânicas, o do El Chichón (México, 1982) e o do Nevado del Ruiz (Colômbia, 1985), algumas das maiores que ocorreram sobre a face do planeta até então.
No Brasil, as catástrofes climáticas se repetiram com as secas nordestinas e enchentes sulinas de 1983, 1987 e 1993.
Seriam esses desastres um prenúncio de que o Ciclo Gleissberg está se aproximando do mínimo esperado? Se a hipótese estiver correta, então muitas partes do mundo, notadamente as que se localizam sobre -ou próximas- as extremidades das placas tectônicas, sofrerão grandes terremotos e erupções vulcânicas nos próximos 20 anos.
E, nesse período, o Brasil tem que se preparar para enfrentar as perturbações climáticas, maior frequência de secas nas regiões Norte e Nordeste e de enchentes no Sul e Sudeste.
Espera-se que a hipótese esteja errada. Mas, por via das dúvidas, é melhor seguir o sábio dito popular que reza que "é melhor prevenir que remediar.

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