São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Teoria x prática

Vale a pena citar por extenso:
``Vê-se, com clareza, que expedientes como juros altos e recessão não surtem efeitos positivos de médio prazo e que os `financiamentos' do balanço de contas através de empréstimos externos têm vida curta: com desajustes fiscais ou o balanço de pagamentos marcado por desequilíbrios persistentes, o êxito dos programas de estabilização fica comprometido." Mas o autor vai ainda mais longe:
``Recursos externos não resolvem esses desequilíbrios: têm limites, são voláteis e constituem variável que em grande parte escapa ao controle dos governos".
Parece bastante difícil ter dúvidas quanto à origem dessas idéias. Especialmente depois da crise mexicana, teses como essas foram ostensivamente alardeadas por economistas da oposição, de direita e de esquerda, ao governo FHC.
Mas o texto não é obra de Delfim Netto ou Maria da Conceição Tavares. Não é fruto da angústia de algum agricultor quebrado ou empresário concordatário, daqueles que não têm conseguido acesso, nos últimos meses, ao ``financiamento" externo. Os parágrafos acima não saíram de algum documento da CUT ou de algum lobista empresarial ameaçado pela recessão.
O autor? O presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.
Trata-se da reprodução ``ipsis litteris" de trechos do prefácio escrito pelo presidente da República ao livro do diretor do Banco Central Gustavo Franco que acaba de ser publicado. O livro reúne ensaios sobre o Plano Real e outras experiências de estabilização econômica, nacionais e internacionais.
É certo que o presidente se acautela: condena os juros altos e a recessão apenas ``no médio prazo", alerta para a volatilidade dos capitais externos em nome da correção dos desajustes fiscais.
Assim mesmo, não deixa de ser um alerta válido, insistentemente repetido pelos críticos da política econômica nas últimas semanas. Diante da desindexação incompleta ou de sinais ainda preocupantes de desequilíbrios fiscais, aumentam em número e grau os alertas quanto à eficácia duvidosa de uma política de juros excessivamente altos.
O pacote de restrições à entrada de recursos externos, decretado na última quinta-feira, cai como uma luva nas preocupações que o presidente externa nesse prefácio. Sabe-se que o objetivo maior do pacote é diminuir a atratividade do mercado brasileiro para capitais internacionais especulativos.
Ao mesmo tempo, é inevitável refletir um pouco mais acerca de qual horizonte misterioso esconde-se sob o ``médio prazo" que FHC gostaria de salvaguardar.
Afinal, segundo declarou ninguém menos que o presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, ao justificar as medidas, elas servem para estimular a permanência dos capitais externos por cerca de cinco meses no mercado brasileiro.
É um prazo mais longo que o curto prazo, mas é certamente pouco, ainda, quando se pensa no desafio de promover investimentos e evitar que se precipite a recessão.
No limite é forçoso reconhecer que o prazo poderia ser mais longo, e os capitais poderiam buscar a produção e o investimento, não a especulação, apenas se os juros caíssem muito mais do que o governo está disposto a aceitar no curtíssimo, no curto ou mesmo nesse bastante modesto médio prazo.
Pois foi assim que os mercados interpretaram, na última sexta-feira, as restrições às entradas externas: os juros devem demorar mais para cair. O desaquecimento deve prosseguir e aumentam os riscos de recessão, segundo a Fiesp. E, no mercado financeiro, há quem tema uma quebra de confiança entre os investidores estrangeiros, em vez de uma mudança capaz de atrair recursos por prazos mais longos.
A busca do alongamento de prazos, portanto, e a construção do médio e longo prazo, afinal, podem assim chocar-se de frente com a percepção generalizada de que os juros não cairão tão cedo, talvez até precipitando um esfriamento da economia, mais forte que a desaceleração vivida nas últimas semanas.
É a mesma filosofia, no trato dos recursos externos, que a aplicada no esforço de alongar as aplicações financeiras internas. O governo parte da hipótese de que taxar investimentos de prazo menor significa necessariamente estimular os de prazo maior. Mas é, por enquanto, apenas uma hipótese.
O governo FHC contraria então o desejo do prefaciador FHC. O prefaciador quer juros menores e prazos mais longos. O governo manterá os juros ainda bem elevados e espera no máximo, como reconhece o presidente do BC, alongar o horizonte financeiro até cerca de cinco meses -um médio prazo bem curto, para dizer o menos.

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