São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

procuram-se milionários

MARILENE FELINTO

O país que o Brasil mais inveja no mundo é Botsuana, que fica no sul da África, tem cerca de 1 milhão e 300 mil habitantes e cuja capital é Gaborone. Em qualquer índice de atlas universal ou de manual de geografia, lá está Botsuana antecipando-se ao Brasil. Ora, quem diria?
Em qualquer desfile de olimpíada, em qualquer abertura de copa do mundo de futebol, ou de campeonato de vôlei, lá vem a bandeira azul e preta de Botsuana tremulando altiva na frente da brasileira, ofuscando nosso verde-amarelo canarinho.
A única diferença entre Brasil e Botsuana é que lá se fala inglês e setswana: também para complexo nosso, que já sofremos na pele a disputa por um pouco de voz nas Américas, onde se alastram vencedores o espanhol e o inglês. Resta-nos sempre lugar secundário, semimudos com nosso português inculto e belo, a perder para o inglês de Botsuana.
Mas nem tudo é perda. Passamos na frente de Botsuana em pelo menos um item importante. Roubamos o primeiro lugar de Botsuana como o país onde há maior desigualdade social e de renda no mundo. Brasi-il-il-il! É lindo! É de arrepiar de tanta emoção, amigo de casa. Rojões estouram, fogos cruzam os nossos céus comemorando.
Tá lá, na rede, pra não deixar dúvida, pra calar a boca de qualquer adversário: relatório do Banco Mundial informou há duas semanas que o Brasil aparece em primeiríssimo lugar como o país onde há pior distribuição de renda no mundo. A contagem foi realizada entre 71 países desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre os anos de 1988-89.
É jogada de mestre, não teve braço nem mão no lance. O tira-teima esclarece, a superioridade brasileira é indiscutível: o levantamento do Banco Mundial mostra que 51,3% da renda brasileira está concentrada nas mãos de apenas 10% da população. Que drible, que chapéu!
Isso significa, amigo espectador, que metade do nosso dinheiro e de toda a riqueza de nossa terra está na mão de apenas 15 milhões de brasileiros, os nossos craques. Que time!
A outra metade é dividida entre os restantes 135 milhões de pernas-de-pau. Sendo que os 20% mais pobres ficam com apenas 21% desse bolo. Que troca de passes, que bate-bola! Brasi-il-il-il!
É tudo um só coração. É emoção demais, espectador. Você de casa, venha comigo homenagear os nossos campeões, os nossos 15 milhões de craques. O Brasil agradece, seleção, o espetáculo lindo.
Agradecemos por nossos 26 milhões de analfabetos, pelos nossas quase 3 milhões de crianças que vivem em favelas, por nossos meninos de rua, nossos sem-teto, nossos sem-terra, pelos 60% de famílias brasileiras que vivem à custa de um salário mínimo (100 reais! golaço!).
É uma avalanche de números, espectador, pra mostrar que o Brasil não se intimida com qualquer Botsuana. Vamos procurar craque por craque do nosso time, homenageá-los, estampar o retrato deles em outdoors pelas ruas, em capas de jornais, em telas de cinema.
O título é nosso e ninguém nos tira. Ninguém bate o Brasil em talento pra malícia, pra sacanagem, pra injustiça, pra extorsão, pra hipocrisia e pra demagogia.
Você de casa, vem comigo, abra sua cerveja, vibre, comemore junto. É um só coração. Explode Brasil, num só grito de: procuram-se nossos campeões, vivos ou mortos!

Texto Anterior: PARÊNTESE; ALIENADO; BARBARA PERGUNTA
Próximo Texto: MPB tem meca em São Paulo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.