São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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"Por Acaso" com Ray Charles é decepcionante

SÉRGIO DÁVILA
DA REVISTA DA FOLHA

Vai ser uma hagiolatria só o "Por Acaso" que a Bandeirantes leva ao ar hoje à noite, em que José Maurício Machline entrevista Ray Charles.
Para quem não lembra, hagiolatria é a adoração aos santos. Para quem não viu, o programa idolatra o idolatrável Ray Charles. Mas, se o músico norte-americano é mesmo idolatrável, qual o problema?
O problema é que, onde entra fé cega, não há lugar para informação. Você vai terminar o "Por Acaso" sem saber:
1. Por que Ray Charles não enxerga? 2. Como ele vive com isso? 3. Quem são as "duas ou três mulheres" com quem ele diz ter nove filhos? 4. O que fazem os rebentos?
Questões básicas -entre muitas possíveis- não feitas.
Em compensação, o telespectador ficará sabendo (por duas vezes) que a entrevista é o sonho de Machline. Que ele gostou quando Charles cantou "Everytime We Say Goodbye" com Betty Carter.
Que ele acha a voz do cantor a melhor do mundo. Que ele vai vê-lo novamente no próximo show. Que foi um prazer imenso entrevistá-lo.
Decepção, desilusão.
Nem é o caso de desmerecer o esforço. Ray Charles, um dos gênios da música negra, raramente concede entrevistas exclusivas.
Consegui-la foi um feito, é claro, mesmo que tenha durado apenas 22 minutos (o programa, de uma hora, foi recheado com clipes).
Para o tiete, pouco importaria se aquela figura carismática passasse o tempo todo recitando "Batatinha Quando Nasce". Ou dormindo. Para o telespectador curioso, não.
E aqui é necessário um esclarecimento: "Por Acaso" é investigativo. Ou deveria ser. Afinal, é um programa de entrevistas ou não? Se não é, qual a sua função?
Coloque-se uma figura simpática, de apelo ou famosa, para comandar, tudo bem. Mas que se prepare essa figura, com no mínimo boas perguntas. Para que outras pessoas se divirtam além dela.
Ou estamos todos perdidos.

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