São Paulo, sábado, 19 de agosto de 1995
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Acordo previa uso de dinheiro público

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao contrário da versão divulgada pelo Palácio do Planalto, o governo federal havia concordado com a operação-hospital que se tentou montar para salvar o Banco Econômico.
As negociações envolveram dinheiro público e contaram com a participação direta do presidente Fernando Henrique Cardoso.
A reconstituição dos bastidores da manobra, abortada na quarta-feira, após rebelião da diretoria do Banco Central, revelam uma sequência de trapalhadas do governo. A negociação atingiu o seu ápice na madrugada de terça-feira.
O negócio foi fechado à 0h45, após uma triangulação de telefonemas entre Gustavo Loyola, presidente do Banco Central, Daniel Dantas, principal executivo do banco Opportunity, e o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA).
0h15, zona sul do Rio. Em seu apartamento, o economista Daniel Dantas preparava-se para dormir. Foi surpreendido pelo telefone. Era Loyola.
O dirigente do BC estava no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República. Já havia conversado antes, por mais de uma vez, com Dantas, indicado pelo governo da Bahia para encontrar uma solução que levasse o Econômico à UTI.
Loyola era portador de uma proposta oficial do governo. Em vez de participar do salvamento do Econômico, sob intervenção de Brasília, o governo federal venderia o banco à Bahia, que o incorporaria ao Baneb (Banco do Estado da Bahia).
Daniel Dantas ficou espantado. A proposta contrariava tudo o que ele havia negociado durante o dia. Falara com o próprio Loyola e até com Fernando Henrique. De resto, considerava a idéia absurda.
Argumentou que a Bahia dispõe, em média, de R$ 300 milhões anuais para investimentos. Para comprar a massa falida do Econômico, teria de passar cerca de seis anos sem gastar nada.
Loyola pediu um prazo de dez minutos a Dantas. Desligaram o telefone. O presidente do BC voltou à roda em que se encontravam FHC e os ministros Clóvis Carvalho (Gabinete Civil) e José Serra (Planejamento). Dantas aproveitou para contactar a suíte 911 do Hotel Naoum Plaza, em Brasília, onde se encontrava um sonolento ACM.
Dantas relatou ao senador o que acabara de ouvir de Loyola. ``Isso é uma palhaçada", reagiu ACM. Reforçou com Dantas os termos defendidos pela Bahia.
À 0h35, Loyola discou novamente para Dantas. Disse que havia conversado com FHC e que estava tudo OK. Bateram o martelo em torno de uma proposta de cinco pontos.
São os seguintes os termos da proposta: 1) o governo da Bahia desapropriaria o Econômico; 2) o BC suspenderia o atual regime de intervenção e submeteria o Econômico a um Reat (Regime de Administração Temporária); 3) o BC continuaria gerindo o Econômico e contrataria uma diretoria profissional para a instituição; 4) a Bahia teria de reprivatizar o Econômico num prazo de 60 a 90 dias; 5) a Bahia faria uma campanha para angariar depósitos para o Econômico, impedindo saques massivos a partir da reabertura do banco.
Na conversa entre Loyola e Dantas, não se falou nada a respeito da necessidade de o governo baiano injetar recursos no Econômico. Ficou entendido que os R$ 3 bilhões que o BC já enterrou no banco falido não voltariam tão cedo para os cofres da União.
Ao contrário, o BC continuaria responsável pela gestão do banco. Imaginou-se que os recursos obtidos com a ``vaquinha" a ser feita entre os baianos seriam suficientes para manter o banco de pé.
Negócio fechado, Loyola e Dantas se despediram. À 0h45 de terça-feira, o telefone soou novamente na suíte do Naoum. Dantas informou a ACM sobre o sucesso da negociação.
Na manhã de terça, após quatro horas de sono, Fernando Henrique telefona para Luís Eduardo Magalhães, presidente da Câmara e filho de ACM. O presidente acabara de ler o resumo dos jornais, produzido por sua assessoria.
Estava aborrecido com o tom do noticiário, que informava sobre o ultimato de ACM ao governo. A maioria dos jornais trazia notícias sobre a promessa de ACM de despejar, do plenário da Câmara, um festival de denúncias contra o Banco Central e seus diretores.
Tratava-se de um blefe. O senador chegara a Brasília, na segunda, munido de dez requerimentos de informações. Era tudo o que tinha. Algumas dúvidas.
Luís Eduardo foi ao pai. "O presidente está irritado com o tom de ultimato", informou. Minutos depois, ACM já falava com Ana Tavares, assessora especial do presidente. Pelo telefone, disse: "Ana, diga ao presidente que, se ele quiser, eu vou até o palácio para agradecer em nome da Bahia".
Ana ficou de conversar com o chefe e retornar a ligação. Não retornou. E ACM, impaciente, ligou de volta. Ana aconselhou-o a ligar direto para FHC.
Embora contrafeito, Fernando Henrique foi cordial. ``Se quiser vou até o palácio para lhe agradecer, presidente, disse ACM. ``Posso ir sozinho ou com toda a bancada, como o sr. preferir". FHC preferiu que ele fosse acompanhado dos demais parlamentares. Deveria chegar às 15h30.
Fez-se uma solenidade no Planalto, fechada à imprensa. Lá estavam, além de ACM, dos deputados e de FHC, Loyola e Clóvis Carvalho. Primeiro, discursou o presidente. Depois, ACM. Ninguém falou em dinheiro.
A diretoria do BC passara praticamente todo o dia reunida. As notícias começaram a chegar à sala de reuniões do BC no final da tarde, por um aparelho de TV. E a equipe de Loyola não gostou do que viu e ouviu.
O noticiário passava a impressão de que o governo, o BC incluído, cedera à chantagem de ACM. O senador, em retribuição, havia cancelado o discurso em que atacaria os diretores do BC.
Instalou-se um ambiente de guerra. Em conversa com Loyola, os diretores ameaçaram pedir demissão. No Planalto, elaborava-se uma nota à imprensa. Preocupado, Loyola pediu que se incluísse no documento menção à necessidade de oferecimento de garantias pelo governo da Bahia, na forma da lei. Insinuava-se, pela primeira vez, a necessidade de aporte de recursos.
Informado sobre a nota, ACM deu de ombros. Dizia, em seus diálogos reservados que os R$ 3 bilhões injetados pelo BC no Econômico permaneceriam no banco, como combinado.
Diante da crise instaurada, FHC se reuniu com a diretoria do BC e o ministro Pedro Malan (Fazenda) no Palácio da Alvorada por volta da meia-noite. Acertou-se na reunião, concluída por volta de duas e meia da madrugada de quarta-feira, reagir às ameaças de ACM.
Na manhã seguinte, o BC divulgou o desafio para que o senador revelasse denúncias que não possuía e uma nota fazendo exigências jamais mencionadas antes. Para salvar o Econômico, a Bahia precisaria arrumar R$ 1,8 bilhão. E o BC considerava desnecessário o regime de administração temporária. Sairia da gestão do banco. Informado, ACM explodiu: ``Isso é uma molequeira."

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