São Paulo, sábado, 19 de agosto de 1995
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Telas de Mondrian iluminam Washington

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Está em Washington, a caminho de Nova York, onde abre em 1º de outubro no MoMA, a mais completa retrospectiva de Piet Mondrian.
Poucos artistas plásticos foram tão influentes na cultura do século 20 quanto esse holandês ascético, rígido, utópico, que tentou ``servir à Humanidade, iluminando-a", conforme ele mesmo se descreveu em 1937.
A exposição, que fica na Galeria Nacional de Arte até 4 de setembro, tem 171 quadros, a maioria absoluta da produção do artista pós-1920, quando Mondrian já passara dos 40 e amadurecera seu estilo definitivo.
Essa opção da mostra enfatiza o período em que o autor radicalizou sua busca da pureza por intermédio da simetria e da simplicidade.
Em especial depois que a radicalização ideológica tomou conta da Europa, Mondrian tentou contrapor ao caos dominante a harmonia de seus traços e cores como uma forma de se atingir a sanidade.
Seus quadros desse período são limpos e lindos. Puras abstrações geométricas na forma, estão carregados -no entanto- de emoção.
A emoção, como Mondrian argumentava, emerge ``do próprio fato de o trabalho ser produzido, construído".
Ele acreditava que o artista tinha que criar uma representação de formas e de relações entre as formas da maneira a mais objetiva possível e ``esse trabalho nunca pode ser vazio porque a oposição de seus elementos construtivos e sua execução suscitam emoção".
Essa teoria serve para qualquer trabalho artístico ou mesmo intelectual. A renúncia aos recursos fáceis do conteúdo explícito oferece à obra de arte a oportunidade de se expressar a si mesma de maneira integral.
A simplicidade absoluta das formas dos quadros de Mondrian tem a expressividade do arranjo que crianças fazem com seus blocos coloridos mas também a complexidade de um intelectual refinado com objetivos artísticos e éticos muito bem definidos à sua frente.
Filho de um pastor calvinista, Piet Mondrian nasceu em 1872 em Amersfoort. Em 1892 mudou-se para Amsterdã, depois de ter-se graduado em teosofia.
Seus primeiros quadros retrataram paisagens com um estilo realista logo influenciado por Matisse e Seurat. Em 1912, já em Paris, rumou em direção ao cubismo e a partir de 1917 aderiu ao puro abstracionismo.
No seu estilo maduro, reduziu os elementos às três cores primárias justapostas e separadas por linhas retas negras horizontais e verticais e por espaços brancos ou cinzas.
A convivência desses ``atores" nas telas tem vida própria em cada obra e admite diversas interpretações do público.
Quando se mudou para Nova York em 1940, Mondrian deu uma leve guinada em seu trabalho, que ganhou mais ritmo, talvez pela influência do jazz.
Alguns de seus últimos trabalhos tiveram como título, por exemplo, ``Broadway Boogie-Woogie" ou ``New York Boogie-Woogie". Neles, embora a simetria se tivesse mantido inalterada, incorporaram-se vivacidade, dinamismo, animação.
Em Nova York, no MoMA, a retrospectiva talvez perca um pouco do impacto que tem nas amplas salas pós-modernas da Galeria Nacional de Arte.
Mas é muito provável que ela seja recebida com mais entusiasmo pelo público cosmopolita da cidade que, no final da vida de Mondrian, o recebeu, o influenciou e onde ele está enterrado. Em Washington, o público residente capaz de apreciar seu trabalho é reduzido demais para justificar mostra tão ampla por três meses.
Os turistas que no verão lotam a cidade são, na maioria, caipiras do interior do país que não podem compreender o valor dessa arte.
Não é pouco significativo que Mondrian não tenha merecido um verbete no ``Dicionário de Alfabetização Cultural", volume que milhões de americanos usam quando querem ganhar aparência de refinamento intelectual.

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