São Paulo, sábado, 19 de agosto de 1995
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A comédia de erros

FERNANDO DE HOLANDA BARBOSA

O problema de uma empresa quebrada por incompetência tornou-se um problema político
A aplicação do princípio da isonomia, isto é, da igualdade perante a lei, justificaria que se desse ao Banco Econômico o mesmo tratamento que foi dado ao Banespa e ao Banerj. Todavia, a pergunta formulada pela Folha pode ser invertida: o Banespa e o Banerj não deveriam ter tido o mesmo tratamento dado ao Banco Econômico?
O princípio de isonomia aplicado nesse caso também justificaria simetria no tratamento. Afinal de contas, quem está certo nessa comédia de erros que se tornou a intervenção no Econômico?
Aparentemente, o erro foi do presidente da República, que parece ter aceitado uma proposta sem fundamentação técnica, e do senador Antônio Carlos Magalhães que, segundo consta, encampou a idéia que lhe foi oferecida.
Entretanto, uma análise menos superficial das intervenções do BC em bancos comerciais, privados ou estatais nos 30 anos de sua existência mostra que um problema que deveria ser tratado de um ponto de vista estritamente técnico tornou-se questão política em virtude da falta de autonomia do Banco Central em relação ao Poder Executivo.
Na situação atual de dependência do BC, quando surge o caso de um grande banco (privado ou estatal) que deveria ser fechado, o presidente do BC desloca-se para o Ministério da Fazenda e comunica o fato ao ministro. O ministro da Fazenda, por sua vez, ruma ao Palácio do Planalto para discutir a decisão com o presidente da República. O problema de uma empresa quebrada por incompetência do proprietário privado ou estatal tornou-se um problema político devido a vários interesses em jogo.
Esse tipo de arranjo institucional, em que o BC está subordinado ao Executivo, certamente não serve aos interesses da sociedade brasileira porque os contribuintes mais pobres terminam pagando a conta de desmandos que não lhes trouxeram benefício. Essa experiência do Econômico é uma excelente oportunidade para que o Congresso comece a pensar seriamente na reorganização institucional do Banco Central do Brasil.
Outro tema importante que deve ser tratado com urgência é a questão da privatização de todos os bancos estatais. Argumenta-se, com frequência, para defender a necessidade de bancos estatais, que estes têm uma função social.
Os fatos, na verdade, desmentem esse argumento. Toda vez que um banco estatal entra no CTI do Banco Central, recursos que poderiam ser usados no combate à pobreza e à miséria são desviados para finalidades menos nobres.
Muitos críticos apressados da proposta de autonomia do BC acreditam que ele se tornaria um poder independente, que não prestaria satisfações a ninguém. Em primeiro lugar, cabe salientar que a independência é em relação ao Executivo, mas não em relação ao Legislativo, pois o Senado teria poderes de nomear e demitir a diretoria do BC.
Em segundo lugar, a experiência de todos os bancos centrais independentes do mundo, como o americano e o alemão, demonstra que na formulação e execução da política monetária existe interação com o Executivo, pois o BC não pode deixar de lado considerações de ordem política nesse tipo de decisão. Agora, quando se trata de problemas de intervenção em bancos falidos, tal assunto está mais para caso de polícia do que para objeto de decisão política.

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