São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Travestis ganham cartilha anti-Aids

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma cartilha de prevenção à Aids diferente de todas já feitas no Brasil, dedicada exclusivamente a travestis, começa a circular nas principais capitais do país.
O folheto, de 16 páginas, traz na capa a foto de um travesti norte-americano e a frase que serve de lema à cartilha: “Traveca esperta só transa com camisinha na neca”.
A palavra “neca” quer dizer pênis, segundo a gíria dos travestis que “fazem pista” (aqueles que se prostituem nas ruas).
O texto, preparado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) e pela Associação dos Travestis e Transformistas de Salvador (Atras), é escrito de forma bem humorada e repleto de gírias.
“Pode ser a neca mais odara do mundo: no edi, só de caminha”, ensina a cartilha, querendo dizer: “Pode ser o pênis mais bonito (ou maior) do mundo: no ânus, só de camisinha”.
A palavra Aids é evitada no texto. Os autores preferem duas formas: “a maldita” ou “a menina”. Exemplo: “Temos de aprender como nos tornar mais fortes para enfrentar a menina”.
Em um boletim divulgado em julho, o GGB estima que há entre 6.000 e 8.000 travestis no Brasil.
O GGB chegou a esse número após fazer um “censo” no 3º Encontro Brasileiro de Travestis, realizado em junho passado no Rio.
Participantes de 18 capitais estimaram o número de travestis em seus Estados, totalizando 6.505.
Rio e São Paulo lideram a estatística, com estimados 2.000 travestis em cada Estado. O Piauí, com 10 travestis, seria o Estado brasileiro com o menor número.
“Eles formam uma minoria muito pequena, mas muito visível, dentro da minoria gay. Por serem muito visíveis, também são vítimas de muita violência”, diz Luiz Mott, presidente do GGB.
A cartilha lembra que ser travesti não é crime, mas se prostituir é. Ensina o que o travesti deve fazer em caso de prisão e a quem recorrer se sofrer violência.
Os 3.000 exemplares da cartilha serão enviados pelo GGB a 50 grupos gays espalhados pelo país.
Cinco desses grupos, sediados em Salvador, Rio, Curitiba, Santo André (SP) e Brasília, são entidades especializadas na defesa dos direitos dos travestis.
Segundo Mott, a cartilha teve custo de R$ 1.500, financiado pelo Ministério da Saúde, dentro do Projeto Previna.
No total, o GGB recebeu R$ 31 mil do governo para desenvolver projetos de prevenção à Aids.
A cartilha é o segundo produto destinado a travestis recém-lançado no Brasil. Em junho, durante a Conferência da Associação Internacional de Lésbicas e Gays, no Rio, foi lançado “Diálogo de Bonecas”, um dicionário de termos utilizados pelos travestis cariocas.
Criado por Jovana Baby, presidente da Associação de Travestis e Liberados (Astral), o dicionário ensina o significado de palavras estranhas, como alibam (polícia), adé (homossexual), elza (roubar), mona ocó (lésbica) e xepó (cafona), entre outros.

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