São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Utopias

CAIO TÚLIO COSTA

A força da utopia vem da imaginação dos insatisfeitos, da vontade de uma vida menos desigual, de um bem-estar total
O fim das utopias acabou com a imaginação utópica? Eis aí uma boa pergunta para cabeças utópicas, como as dos intelectuais Darcy Ribeiro e Rubem Alves.
Ambos prometem se encontrar e conversar sobre a utopia na semana que vem, terça-feira, dia 29. Para esta noite se prevê mais uma emissão da série Diálogos Impertinentes, que a PUC e a Folha estão realizando este ano no Teatro de Arena do Tuca, com transmissão direta, via satélite, pela redes de televisão por assinatura NET e Multicanal.
Depois de desejo e acaso, discutidos no primeiro semestre, nada melhor colocado do que a utopia, mistura de muito desejo à tentativa de domar o acaso.
O nome vem daquela ilha inventada pelo inglês Thomas More, em 1516. Levando-se em conta que topos significa lugar, em grego, o neologismo pode ser entendido como contração de oú com topos, nenhum lugar. Também caberia a contração do grego eu com topos, igual a lugar feliz, a eutopia.
Sobre este paradoxo -lugar feliz é lugar nenhum-, muita gente já se debruçou e a utopia enquanto tal permanece inalcançável. Com o fim do socialismo há até quem a considere letra morta.
Naquela primeira ilha utópica Thomas More situa seu modelo de "melhor governo possível", uma sociedade sem propriedade privada e igualdade de todos em relação ao trabalho produtivo.
A constituição da ilha assegura a cada um a maior quantidade de tempo e lazer possível para a liberdade e a cultura. Nada a ver com o direito à preguiça, mas sim com o refinamento do espírito.
Existem utopias anteriores. A mais decantada é a de Platão, na qual os filósofos dirigiriam o Estado. Ele deu forma à vontade do homem de habitar uma sociedade perfeita: igualdade entre os sexos, educação para todos, abolição da propriedade privada...
Outros bordaram os contornos da sociedade ideal (ou impossível?) como Francis Bacon (sociedade dirigida por sábios guiados por princípios científicos) ou Tommaso Campanella (cidadãos dedicados ao conhecimento e à piedade).
Existem ainda as utopias dos iluministas, as dos socialistas ditos utópicos, as dos anarquistas ou as dos messiânicos, na qual caberia até o nosso Antônio Conselheiro, de Canudos.
Na palavra cabem tratados como "A República" (Platão), poemas como o "Vou-me embora pra Pasárgada" (Bandeira) e até movimentos românticos como as lides estudantis de Maio de 68, em Paris.
O dado notável da utopia é que ela remete ao melhor possível, um lugar inexistente, um outro lugar para lá de radical, fundamentado por uma crítica ao que não está certo aqui e agora, pensada a partir dos erros do presente. Sua força vem da imaginação dos insatisfeitos, da vontade de uma vida menos desigual, de um bem-estar total.
Se a palavra se banalizou, se o conceito se deteriorou, se as utopias falharam porque eram utopias -projeto irrealizável, quimera, fantasia-, então o mundo mostrou ter cabeças fortes ao menos na imaginação de um mundo melhor.
Herbert Marcuse, outro utópico, escreveu ser possível eliminar a fome e a miséria com as forças materiais e intelectuais tecnicamente existentes.
Por isso me sobra dúvida crucial, entre as infinitas que tenho, ao ver a quantidade de excluídos se multiplicando geometricamente.
Então, repito: será que deram cabo de vez da imaginação utópica?

Texto Anterior: à toa na vida
Próximo Texto: totens modernos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.