São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 1995
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A estrada insegura da abertura econômica

ALVARO AUGUSTO VIDIGAL

A recente medida governamental, que impôs restrições ao ingresso de capitais estrangeiros no país, representa claramente um novo e grave retrocesso na política de abertura da economia brasileira para o exterior.
Juntamente com a ``meia-trava" do programa de abertura comercial -revisão para cima das tarifas de importação de uma centena de produtos-, reintroduz a incerteza como variável dominante nas avaliações das oportunidades de investimento na economia brasileira, feitas por investidores nacionais e estrangeiros.
Abordemos mais de perto as medidas anunciadas pelo governo na noite de 10 de agosto. Com relação à taxação, via IOF, de empréstimos tomados por empresas brasileiras no exterior e de aplicações de investidores estrangeiros em fundos de renda fixa, em princípio não há muito a contestar.
O IOF é um tributo tipicamente regulatório, sendo aceitável, em tese, sua utilização temporária em casos onde a autoridade governamental pretende controlar uma fonte exógena de expansão monetária, como tem sido o caso do grande aumento dos ingressos de capitais estrangeiros no país.
Mesmo assim, cabe questionar a generalização de tratamento dado pelo governo à tributação dos empréstimos internacionais, sem discriminar empréstimos de curto daqueles de longo prazo.
Estes últimos são recursos estáveis que não comprometem a gerência do balanço de pagamentos, e que estão contribuindo para financiar o investimento de muitas empresas brasileiras sem alternativas de financiamento no mercado financeiro doméstico.
Essa é a parte certamente menos polêmica das medidas anunciadas pelo governo visando restringir o ingresso de capitais. Infelizmente, o governo foi muito mais longe, à medida que proibiu operações de investidores estrangeiros nos mercados de opções de ações, e nos mercados de liquidação futura de índices de ações e de câmbio (Resolução 2.188).
Nesse caso, a iniciativa governamental extrapolou os limites da atuação estritamente regulatória, passando a enquadrar-se nos contornos mais ásperos da intervenção direta sobre os fluxos de capitais, via barreiras à entrada. Estabeleceu-se uma reserva de mercado de operações de ``hedge" para o investidor nacional. Estreitou-se a porta de entrada do capital estrangeiro e eventualmente ampliou-se a sua porta de saída...
Provavelmente surpreendido pela rápida mudança de tendência do movimento de capitais desde maio, quando os saldos do mercado de câmbio passaram a mostrar mais ingressos que saídas de capitais, o governo agiu de forma apressada, sem separar o joio do trigo.
Os mercados de opções de ações e os mercados futuros de índice têm por objetivo principal proporcionar aos investidores um mecanismo de cobertura de risco (``hedge") para suas posições assumidas nos mercados à vista de ações.
Quando um investidor estrangeiro compra ações da Telebrás, por exemplo, ele pode proteger-se contra uma eventual queda nos preços da ação comprando uma opção de venda desse papel. Quando ele compra uma carteira diversificada de ações, pode vender contratos futuros de índice, garantindo-se contra o risco de uma queda generalizada nos preços das ações.
No atual ambiente de elevadas taxas de juros reais, é certo que a ampla gama de estratégias operacionais oferecidas por esses mercados pode incluir alternativas não classificáveis como ``hedge", e sim como operações meramente financeiras, onde o investidor simplesmente replica uma operação de renda fixa. Essas operações, entretanto, são perfeitamente identificáveis. Assim, não faz sentido impor restrições ao acesso dos investidores às operações de ``hedge", por conta de eventuais distorções que nascem e prosperam à sombra dos rigores da política monetária restritiva.
Imaginemos o efeito dessa medida sobre um investidor institucional norte-americano que se preparava para ingressar grande volume de recursos para aplicar no mercado de ações, confiante nas perspectivas de longo prazo da economia brasileira. Sem a possibilidade de proteger o valor real de seu investimento via opções ou contratos futuros, esse investidor certamente desistirá de trazer seus recursos, pois não pode impor esse risco a seus cotistas.
Se efetivamente ele deseja adquirir ações de companhias brasileiras, poderá fazê-lo no próprio mercado americano, onde já se negociam ADRs de diversas empresas brasileiras sem o ônus burocrático para ingressar recursos no país, sem o constrangimento de ter de pagar um pedágio na entrada e principalmente com a possibilidade de proteger suas operações através de mecanismos de ``hedge". Trata-se, porém, de uma alternativa contrária aos interesses nacionais, pois resulta na ``exportação" do nosso mercado para os centros de liquidez internacionais.
Não é o mercado que está produzindo a distorção traduzida pelo forte ingresso de capitais nos últimos meses. Sabemos que o excesso de capitais está se formando na esteira das elevadas taxas de juros reais, em combinação com uma situação cambial onde a moeda nacional permanece valorizada diante do dólar.
Não será pela via da barreira ao ingresso de capitais que estaremos corrigindo essa distorção. Na verdade, precisamos é de uma revisão das políticas monetária e cambial, que contemple uma efetiva redução das taxas de juros reais, uma correção realista da taxa de câmbio e uma progressiva flexibilização dos controles cambiais.
O mercado de ações confia na sensibilidade do governo para reconhecer o equívoco e rever a decisão que excluiu o investidor estrangeiro das operações de ``hedge" nos mercados futuros e de opções. Esses mercados cumprem uma função econômica importante e a estabilidade de suas regras é condição fundamental para sua credibilidade e para a eficiência de seu funcionamento. Portanto, aguardamos a volta do bom senso e contamos com a rápida remoção dos excessos da Resolução 2.188.

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