São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 1995
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Rino Levi modernizou São Paulo

LUCIO GOMES MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Felizmente, o Condephaat -órgão que cuida do patrimônio histórico estadual- resolveu abrir, no último dia 14, o processo de tombamento para um conjunto de dez obras de Rino Levi (1901-1965).
O tombamento marca o início de uma nova forma de atenção para as manifestações arquitetônicas. Pela primeira vez é preservado, em São Paulo, um conjunto de obras de um determinado arquiteto. Até agora, eram preservados elementos isolados, em razão de seu valor individual.
O início desta nova forma foi merecidamente marcado com a obra de Rino Levi, um arquiteto que pode ser identificado com a arquitetura da modernização da cidade de São Paulo.
A partir do final da década de 20, Rino Levi introduz em São Paulo os conceitos da nova arquitetura que se fazia na Europa, sobretudo aquela identificada com a vanguarda alemã e com o que de mais moderno se fazia na Itália, onde havia se formado.
Roberto Cerqueira Cesar e Luis Roberto Carvalho Franco passam a colaborar com Rino Levi, respectivamente a partir de 1941 e 1952, quando o seu escritório realiza um enorme volume de trabalhos, com resultados de alta qualidade.
Entre suas primeiras contribuições mais marcantes, destaca-se a conceituação da arquitetura para o cinema falado. A partir do Cinema UFA-Palace (1936) -posteriormente Art-Palácio-, hoje totalmente desfigurado, projetou uma série de cinemas -cerca de dez grandes salas- nas quais o estudo das circulações, das curvas de visibilidade e sobretudo da acústica eram determinantes para a concepção espacial, sempre com resultado plástico notável.
Os edifícios de apartamentos projetados ao longo de sua carreira -do pioneiro Columbus (1932) ao Edifício Gravatá (1964), na avenida Nove de Julho- marcaram a paisagem de São Paulo com novas soluções especiais para a habitação coletiva, aliadas a soluções construtivas e formais originais.
Entre os edifícios protegidos encontram-se os Edifícios Higienópolis, de 1936 (na rua Conselheiro Brotero, 1.092), e Prudência, de 1948 (na avenida Higienópolis), sendo este último um dos mais perfeitos exemplares de aplicação da arquitetura racionalista existentes em São Paulo, com sua fachada composta com grandes vãos horizontais no volume prismático (o corpo do edifício), pilotis (colunas que sustentam a construção), jardins proporcionando uma interpenetração da cidade no seu interior, e ainda a incorporação uma série de elementos especialmente projetados pelo arquiteto e fabricados pela incipiente indústria de componentes para a construção civil.
Rino Levi procurava exercitar o que se chamava então de "integração das artes. Em todas as suas obras mais significativas, existe a contribuição fundamental de algum artista, como o grande painel de Di Cavalcante no Teatro de Cultura Artística (1943), os azulejos desenhados por Burle-Marx no Edifício Prudência ou os jardins deste mesmo artista incorporados aos projetos sempre que possível.
A contribuição de Rino para a reformulação dos projetos de hospitais, a partir do projeto não construído de uma maternidade-escola para a Universidade de São Paulo é internacionalmente reconhecida. Para estes projetos, as idéias do funcionalismo foram aplicadas em toda sua extensão. Como exemplo, pode-se citar o Hospital do Câncer, de 1947 (rua Prof. Antonio Prudente, 211), um dos edifícios tombados, que demonstra em seus elementos construtivos as funções que são nele atendidas e resolvidas.
Na mesma linha, os edifícios de escritórios, dos quais o do Banco Sul-Americano do Brasil (atualmente Banco Itaú) situado na esquina da avenida Paulista com rua Frei Caneca é o exemplo mais elaborado de uma série que conta com outros exemplos notáveis como o do Edifício concórdia (rua Paula Souza, 355) e o Edifício Plavinil (alameda Santos, 2.101), são exemplos do minucioso trabalho desenvolvido para cada obra e da evolução técnica que representa cada etapa de sua vida, com o aprimoramento dos detalhes construtivos, dos elementos de caixilharia e sobretudo dos estudos de proteção contra o sol por meio do desenvolvimento de quebra-sois originais e adaptados às possibilidades da indústria local.
Merece um destaque especial um tombamento fora de São Paulo: o Paço Municipal de Santo André, que é um dos mais significativos conjuntos de edifícios públicos do Brasil e importantíssimo exemplar da arquitetura racionalista, além de magnífico paisagismo de Burle-Marx. A qualidade deste projeto coloca esse município em posição ímpar face a pouca atenção que tem sido dada pelo poder público à qualidade de arquitetura dos edifícios oficiais.
Estes poucos exemplos da obra de Rino Levi, a partir de agora protegidos, sugerem a riqueza do patrimônio que é constituído pela arquitetura moderna paulista e que não pode ser desperdiçado. Neste sentido, espera-se que os órgãos de proteção ao patrimônio cultural, sobretudo na esfera municipal, adotem uma política mais agressiva de proteção, ampliando significativamente o espectro de exemplares, de modo a proporcionar o salvaguarda da memória desta que é uma das mais características expressões de nossa cultura.

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