São Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Onde mora a Federação?

JOSÉ SARNEY

Uma das consequências do ajustamento da economia argentina que tem perturbado a vida nacional é o alto índice de desemprego (18%) e a situação de falência das províncias, sujeitas a processos de insatisfação permanente, com graves resultados para a ordem pública e uma crise social que a cada dia se agrava mais (leia-se: situação de falência).
No Brasil, estamos no mesmo rumo, porém com uma grande diferença. O Brasil é um país de grande extensão territorial e uma das leis que governam a geopolítica é que países grandes têm tendência à fragmentação.
A unidade nacional é um milagre da língua e da capacidade dos estadistas brasileiros, que souberam distribuir contrapesos entre regiões, poderes políticos e econômicos, em uma engenharia de redistribuição de recursos de modo que as desigualdades não cheguem a pontos de ruptura.
Acontece que, agora, a perda de recursos e a situação em que se encontram os Estados estão gerando um sentimento de que o Brasil começa a ser não dois brasis, como se dizia antigamente, na separação do Brasil rico e do Brasil pobre, mas muitos brasis.
Um só desses brasis, que reúne poucos Estados, concentrando poder político, econômico e eleitoral, é que está tomando as decisões, e os outros tocam a trombeta do amém.
Como se pode pensar que um Estado pequeno e pobre como o Amapá, exportador de minérios e produtos florestais, possa subsidiar o dólar e os exportadores isentando ICMS, isto é, sustentando a balança comercial à custa da fome e da miséria dos seus habitantes, sem receber nenhuma compensação?
O Rio Grande do Sul, que é um Estado exportador de grãos, está na mesma situação, bem como o Maranhão, exportador de alumínio e alumina, e por aí vai.
Como pensar que um país possa ser justo se uma região exporta mão-de-obra barata, escravos da máquina industrial para produzir bens de consumo duráveis, e as regiões de onde eles saíram tenham de pagar ao Estado produtor impostos de consumo.
O país, para se defender, não pode comprar carros japoneses, americanos, coreanos sem pagar uma alíquota de 70%. Mas, internamente, os Estados não-produtores compram essas mercadorias e ainda pagam impostos a quem produz.
Estou de acordo em proteger a indústria nacional da competição estrangeira, mas sou contra, como todos os brasileiros que amam o seu país, vê-lo dividido por uma injustiça tributária que é uma espécie de colonialismo interno, nas duas pontas: na exploração da mão-de-obra e no mercado cativo.
Os regionalismos são tão passionais quanto os nacionalismos. Veja-se o exemplo da extinta URSS. O Brasil precisa ver não somente o déficit público, que é importante e deve ser combatido, mas deve preocupar-se com as questões da sobrevivência, obra dos homens de Estado que têm obrigação de olhar o futuro.
Duas palavras são sagradas na Constituição: a República e a Federação. As palavras continuam intocáveis, são as mesmas, não houve mudança gramatical.
Mas a Federação está se transformando em um destroço. O caminho que seguimos não é o da descentralização e autonomia dos Estados, mas o da dependência e da centralização.
Ninguém mais sabe onde mora o grande ideal republicano: a Federação.

Texto Anterior: Tumor e tumores
Próximo Texto: A VINGANÇA; SEM AMADORISMO; PALAVRA DE ESCOTEIRO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.