São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As entranhas aparecem

JANIO DE FREITAS

Terceiro problema, no governo, de moralidade administrativa, o do subchefe do Gabinete Civil para Assuntos Jurídicos, Carlos Marcial, ocorre dentro da própria Presidência da República e, de quebra, conduz à descoberta do quarto caso, este atingindo o Ministério da Fazenda por intermédio da Receita Federal. Dois casos que reúnem mais evidências contrárias à moralidade governamental do que os precedentes, de José Milton Dallari e Paulo Motoki, o demissionário (ou demitido) diretor do Departamento Nacional de Combustíveis, que também mantinha um ``assessor" de fora do governo -por coincidência diretor da Shell.
Protetor de Dallari até o minuto final, o chefe do Gabinete Civil, Clóvis Carvalho, repete a dose. Considera que Marcial cumpriu o necessário, ao se licenciar do escritório de advocacia que se dedica a processos contra a União e, portanto, contra o governo. Marcial, por sua vez, defende-se alegando que deixou de recebeu o ``pro labore" na firma Marcial & Meneghetti, Advogados Associados, embora ``continue participando dos lucros".
Para começar, escritório de advocacia não tem lucro, porque não faz investimento. Tem honorários. E Marcial, como sócio, e sócio relevante, recebe parte dos honorários provenientes de todos os processos do escritório. Logo, recebe por ações judiciais contra o governo ao qual dá assessoria jurídica na própria Presidência. Recebe dos dois lados, portanto. Nem se precisa considerar a possibilidade de fazer uso da influência que sua localização no governo lhe confere.
No levantamento das dezenas de ações que o escritório Marcial & Meneghetti move contra a União e empresas federais, foi constatado que pelo menos uma delas é contra a Receita Federal. E a sócia que representa o escritório nesta ação é Marília de Almeida Maciel. Filha do diretor da Receita Federal, Everardo Maciel. Admitida no escritório logo depois que seu pai assumiu a Receita.
Um preceito ético no exercício do Direito, seja como magistrado, promotor ou advogado, é o do impedimento, pela existência de qualquer relação pessoal ou material que possa suscitar suspeita quanto ao desenrolar de um processo. A advogada Marília Maciel dispensou o preceito. Mas a Receita Federal não poderia, eticamente, deixar de requerer o impedimento. Seria a única maneira de proteger-se de suspeições, se vencida no processo em que tem como adversária a filha do seu diretor. E só isso já se torna, então, motivo de possíveis suspeições. No mínimo.
Apenas se começa a desvendar as entranhas do governo. Mas, neste ritmo, a coisa vai longe.

Texto Anterior: Brasil tem 5 obstáculos para poder implantar modelo industrial japonês
Próximo Texto: BC adia definição sobre intervenção no Banespa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.