São Paulo, sexta-feira, 1 de setembro de 1995
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As flores e espinhos do México

JOSÉ SARNEY

O México foi o primeiro sinal vermelho de que as economias que estão consolidando o modelo neoliberal não estão isentas de crises agudas. O mercado da especulação financeira que gira dia e noite no mundo representa em papéis no mínimo 20 vezes a economia real.
A crise mexicana custou US$ 80 bilhões, o desmoronamento de um exemplo didático de como a América Latina deveria caminhar e uma frustração interna quanto ao seu destino de país, que todos julgavam fadado a dar o grande salto para o futuro, sobretudo com a âncora do Nafta.
Se tudo não foram flores, também não restaram só espinhos. O México está enfrentando a flagelação atual com a mesma e extraordinária força de seu povo que sempre, ao longo de sua sofrida e dramática história, tem superado dilacerações. O México se uniu e colocou acima de tudo o destino nacional.
Formaram-se conselhos empresariais; a poderosa Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores reviu suas posições; criou-se um Conselho Nacional de Publicidade, com a participação de todos os meios de comunicação para levantar a auto-estima e criar um clima coletivo e tirar o país da crise.
O presidente da República, ao contrário da fórmula imperial do PRI, revestiu-se de humildade para unir o país na hora do pior. Todos são considerados peças da recuperação, ninguém pode ser excluído.
Reduziram-se salários de acordo com os trabalhadores para evitar que fábricas fechassem; alguns modelos novos foram adotados, como os de quatro turnos, para não haver desemprego; e a aliança dos empresários com os trabalhadores, a destes liderada pelo legendário e quase centenário Fidel Velásquez, comanda um projeto visando a resistir às dificuldades e atravessar a crise.
Há esperança e o clima é de trabalho -lutar para vencer. Nada de desânimos nem de pregões do apocalipse.
O México, ao longo de sua história, tem dado grandes exemplos: o de manter sua identidade nacional e repelir a destruição de sua cultura, embora dormindo ao lado do gigante Estados Unidos. Criou a estabilidade de um sistema partidário que, com todos os seus defeitos, consolidou o país, modernizou-o e preparou-o para o futuro.
O México pagou o preço de ter se aventurado demais nas novas tentações de aberturas selvagens que podem embutir riscos terríveis para os interesses nacionais.
Há hoje, depois da surpresa e do fracasso, confiança e o país, unido, possuído de uma garra que só o sofrimento, tantas vezes provado, é capaz de despertar. O México está dando um exemplo de auto-estima raro, e um país que assim se comporta não fracassa.
Para nós é uma lição. Nós, que gostamos de cultivar o catastrofismo, querendo tirar proveito de todas as crises, pregando o desamor e destruindo a auto-estima do Brasil.
Tudo no mundo vive de símbolos. O México tem o dele e resiste. Nós, se não abrirmos os olhos, poderemos ver o que dizia Lévi-Strauss: "O Brasil pode ficar obsoleto antes de chegar a ser moderno".

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