São Paulo, sábado, 2 de setembro de 1995
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Haja bode

Qualquer tipo de negociação, seja ela comercial ou política, requer uma certa maleabilidade entre as partes. Quando alguém deseja vender uma casa ou apartamento, por exemplo, quase sempre vai anunciar por um valor um pouco superior ao que espera receber. Da mesma forma, o potencial comprador tentará regatear para obter um preço melhor. Na maioria das vezes, ambos saem com a sensação -correta ou não, pouco importa- de que saíram ganhando. Em algumas culturas, recusar-se a pechinchar por um produto qualquer chega a ser uma grave ofensa.
O governo Fernando Henrique Cardoso não pode ser acusado de furtar-se ao processo de negociação, muito pelo contrário. Boa parte dos cargos públicos de segundo e terceiro escalão já foram utilizados em algumas votações de interesse do governo.
Mas até a arte de barganhar tem lá as suas regras. E o Planalto parece ter-se esquecido de algumas delas. Uma das primeiras instruções que um turista recebe quando vai a algum mercado árabe é que ele deve pechinchar, mas também não pode exagerar. Se ele oferecer por exemplo um décimo do que pede o mercador, ele provavelmente será expulso da loja a pontapés. A etiqueta também exige do lojista que ele não exorbite. Em geral seu lance inicial será o dobro do que espera de fato receber, embora haja muitas variações possíveis.
O governo FHC, ao colocar tantos "bodes" (sobrepreço) nos projetos que apresenta ao Congresso -compulsório, quebra do sigilo fiscal, reforma tributária e da Previdência, para citar apenas alguns-, corre o risco de perder a sua credibilidade junto ao Congresso.
O perigo é que, depois de tantos e tão repetidos "bodes", projetos sérios um pouco mais arrojados do governo sejam entendidos como novos "bodes" e descartados de chofre pelos parlamentares.
Negociar é uma arte e, como tal, exige habilidade.

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