São Paulo, segunda-feira, 4 de setembro de 1995
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Anistia se sobrepõe a dor das famílias, diz general

WILLIAM FRANÇA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de quatro meses às voltas com os manifestantes da CUT (Central Única dos Trabalhadores), que perseguiam o presidente Fernando Henrique em qualquer viagem pelo país, o chefe da Casa Militar do Planalto, o general-de-brigada Alberto Cardoso, 54, ganhou as primeiras páginas dos jornais na semana passada por conta do projeto de lei dos desaparecidos.
Entre estudos e conversas com sua equipe para convencer FHC a adotar um carro blindado, Alberto Cardoso participou segunda-feira da solenidade que oficializou a proposta de indenizar os familiares dos desaparecidos políticos.
Ao abraçar Eunice Paiva, viúva do deputado Rubens Paiva, desaparecido durante o regime militar, em 1971, o general acha que virou também símbolo da reconciliação.
Cardoso, que é responsável pela segurança de FHC, não quer que se investiguem as circunstâncias das mortes dos desaparecidos.
Diz entender a dor das famílias. Mas, acha que "a Lei da Anistia se sobrepõe à dor das famílias".
Na primeira entrevista que concede desde que assumiu em janeiro a Casa Militar, Cardoso disse à Folha que os militares não temem novas investigações. "Revolver" as mortes manteria as Forças Armadas "permanentemente questionadas".
A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - O sr. representou as Forças Armadas na assinatura do projeto que manda o governo indenizar as famílias e reconhecer a morte dos desaparecidos políticos. O que significou isso na sua vida de militar?
General Alberto Cardoso - Estamos em um momento de virada definitiva de uma página da história, mas não de forma negativa. Esse momento significa reconstrução, reconciliação. Definitivamente, a sociedade está reconciliada.
Folha - Algumas famílias querem que sejam identificadas as circunstâncias da morte de seus parentes. O que o sr. acha disso?
Cardoso - É difícil emitir opinião sobre algo que toca em um juízo de valor, porque não se está na situação dessas famílias. Entendo a dor de uma família que quer saber como perdeu seu ente querido. Mas existem algumas coisas que acabam se sobrepondo a esses tristes problemas pessoais. Uma delas é a razão de Estado.
Há uma anistia, que significa esquecimento, indulgência. Revolver esses casos certamente vai colocar em xeque o efeito dessa anistia (a Lei da Anistia foi aprovada em 79). Se por um lado se entende o que as famílias desejam, por outro lado isso não seria benéfico para o clima de união.
Folha - Os militares temem alguma coisa?
Cardoso - Não creio. Apenas não se deseja viver o clima novamente de revolver esses problemas. O que preocupa os militares não é tanto os aspectos pessoais de quem venha a ser envolvido numa investigação, embora haja o sentimento de camaradagem. A grande preocupação é que essas discussões novamente ponham em xeque o nome da instituição Forças Armadas.
Folha - A imagem das Forças Armadas ficaria maculada?
Cardoso - Não maculada, mas permanentemente questionada. Já houve muito questionamento. O que se pretende com esse projeto é que os questionamentos terminem.
Folha - Como o sr. recebeu as críticas abertas dos seus colegas de farda ao projeto dos desaparecidos (os comandantes da 7ª Região Militar e do Comando Militar do Nordeste não concordam com a indenização)?
Cardoso - Sobre isso peço para não responder.
Folha - Qual é, então, a sua opinião sobre o projeto?
Cardoso - Tenho certeza que atendeu ao esperado.
Folha - O sr. é a favor de que os militares mortos também sejam reconhecidos e os seus familiares recebam indenizações?
Cardoso - Mas já estão indenizados, só que de uma forma administrativa, desde aquela época (anos 70). As pensões estão sendo pagas. O grande problema não é o material, mas o moral -e isso está sendo atendido agora para as demais famílias. Para as dos militares o problema moral ficou na área do sentimento, da saudade, com promoções post-mortem...
Folha - O sr. conhecia a viúva de Rubens Paiva, Eunice Paiva? Cardoso - Eu a conheci ali, pouco antes da cerimônia. Me impressionou o equilíbrio e a simpatia daquela senhora, que, logicamente muito machucada, não exibiu o menor rancor. No abraço, eu senti que ela estava emocionada -mas não porque estava me abraçando. Todos estávamos tocados pelo clima da cerimônia.
Folha - Por conta desse abraço o sr. apareceu nas primeiras páginas de todos os jornais...
Cardoso - O meu abraço foi espontâneo, nada programado. Quando vi, me assustei, mas depois vi que naquela foto o mais importante não era eu estar ali, mas sim o simbolismo. Como estava também o presidente. O triângulo ali exposto representava bem a reconciliação. Depois, recebi cumprimentos de colegas de farda.
Folha - O presidente assinou na quinta MP (medida provisória) concedendo reajuste de 16% a 22% aos militares. Isso ajuda a conter a insatisfação da tropa que reclama do soldo baixo?
Cardoso - A remuneração está baixa, mas a MP vai atenuar essas "agruras conjunturais", como diz o próprio presidente. O que é bom entender é que a preocupação com o salário não causa inquietação na tropa, no sentido de indisciplina.
Folha - Na proposta de reforma constitucional há a desvinculação entre os salários dos civis e dos militares. Isso ajuda?
Cardoso - Há vícios da administração que têm de ser consertados. Essa vinculação é uma inconveniência, porque procura tratar de forma igual entes diferentes.
Folha - No início do governo houve vários incidentes envolvendo a segurança. A comitiva do presidente chegou a ser apedrejada. O que houve?
Cardoso - Eu trago para mim a responsabilidade. Eu estava com muito cuidado, não queria transtornar a vida das pessoas comuns com medidas de segurança que estava testando.
Folha - Os manifestantes sumiram das viagens do presidente. Foi o sr. que os afugentou ou eles é que perderam a vontade de protestar?
Cardoso - Não vejo mais os manifestantes que se portavam radicalmente. Acho que eles mudaram, viram que o presidente é um homem firme nas suas convicções. Viram que não iam conseguir nada no grito.
Folha - No mês passado, um carro que ia ser usado pelo presidente foi furado à bala, no Rio. A comitiva presidencial está muito vulnerável? O presidente não precisa de carro blindado?
Cardoso - Acho necessário o uso do carro blindado. Estamos conversando com o presidente sobre isso. Mas o carro é muito caro, além de ter o inconveniente de ter de usar um veículo importado, pois os nacionais não têm motor que suporte a estrutura blindada. O presidente resiste a isso (carro importado) e acha que não deve haver gastos excessivos com o que envolve sua segurança.

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