São Paulo, segunda-feira, 4 de setembro de 1995
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Parceria de Antonioni e Wenders naufraga

AMIR LABAKI
DO ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

"Além das Nuvens" (Par Delà Les Nuages), o filme em episódios que marca a volta ao cinema de Michelangelo Antonioni depois de treze anos, foi recebido friamente pela imprensa em seu lançamento mundial na madrugada de anteontem em Veneza.
Com parte dos movimentos e a fala comprometidos por um derrame, Antonioni volta à direção de um longa sob o amparo do diretor alemão Wim Wenders ("Paris, Texas"), que assina o prólogo, os entreatos e o epílogo.
Cada um dos quatro episódios adapta um conto do livro "Quel Bowling Sul Tevere" publicado por Antonioni em 1983. As histórias partilham o mesmo tema: o desencontro amoroso.
Na primeira, "Crônica de um Amor Que Jamais Existiu", dois jovens (os desconhecidos e fracos Ines Sastre e Kim Rossi Stuart) se encontram casual e rapidamente, enamoram-se mas calam, separam-se mas voltam a se cruzar dois anos mais tarde, quando têm a chance de concretizar a relação.
"A Garota e o Crime", a seguir, reúne um cineasta (John Malkovich) a uma jovem deslumbrante (Sophie Marceau) que carrega um passado e tanto. É o mais breve dos esquetes. O terceiro episódio, "Não Tente Me Rever", traz Fanny Ardant, Peter Weller e Jean Reno numa ciranda amorosa em que a separação de dois casais pauta um oportuno encontro.
Por fim, em "Corpo de Lodo", uma jovem sensual e religiosa (Irene Jacob) encanta um rapaz (Vincent Perez), que atravessa a cidade para acompanhá-la à missa.
É o ponto alto do filme, o único dos episódios em que os personagens se desenvolvem e o drama se adensa. Nos demais, Antonioni parece patinar no formato curta, sem tempo para construir seus protagonistas, sem uma trama propriamente estruturada, sem a sacada que salve o episódico do banal.
Em sua obsessão metacinematográfica, Wenders elegeu o cineasta vivido por Malkovich para guia. A maior parte de suas intervenções tratam do difícil papel do diretor de cinema no mundo contemporâneo. Os episódios que apresenta seriam idéias para novos filmes. O epílogo se destaca ao citar espertamente o "travelling" de "Janela Indiscreta" em que Hithcock devassa nos quartos de um prédio instantâneos de outras possíveis narrativas de amor. Meia hora de bom cinema é pouco para tão aguardado retorno.

Cuba e chocolate
O engajamento cívico marcou os dois principais concorrentes em Veneza neste fim-de-semana. O cubano "Guantanamera" traz de volta a dupla Tomas Gutierrez Alea-Juan Carlos Tabío ("Morango e Chocolate") em nova radiografia bem-humorada da crise na Cuba de Fidel.
Já "Pasolini - Um Delito Italiano", de Marco Tullio Giordana, reabre a discussão sobre o assassinato há dez anos do escritor e cineasta de "Teorema". Não empolgaram mas elevaram nitidamente a média da disputa.
"Guantanamera" é uma versão fílmica do repentismo radiofônico de Joseito Fernandez na Cuba dos anos 50. Diariamente Joseito, cantor e compositor, satirizava as manchetes de jornais com improvisos em cima da célebre canção "Guajira Guantanamera".
Alea e Tabío resgatam a experiência, adaptando-a para o cinema e para o chamado "período especial" atravessado pela ilha.
A canção funciona como amarração dos fragmentos deste "road movie" que se passa entre Guantanamo e Havana.
Um cortejo fúnebre e um caminhão de cargas são o foco principal. O primeiro testa um novo esquema governamental para driblar o racionamento de combustível. O segundo faz a rota de sempre. Entre os viajantes, protagonistas de dois amores adiados.
Uma velha cantora e um veterano músico de província reencontram-se após 50 anos e são logo separados pela morte fulminante da artista.
É dela o enterro que se prepara. Sua sobrinha, a ex-professora Gina, (Mirta Ibarre) a acompanha ao lado do marido, o burocrata para sepultamentos que tenta derrotar a dura crise com suas frágeis teorias.
No caminhão, vem fechar o triângulo amoroso um ex-aluno de Gina e agora motorista.
Enquanto um dos amores se consome (pela idade) e o outro se consuma (na estrada), a caravana de Alea e Tabío flagra a batalha do "jeitinho" cubano contra o desabastecimento do "período especial". O resultado é simpático mas irregular.

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