São Paulo, quarta-feira, 6 de setembro de 1995
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Filme tira Hollywood gay do armário

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

O movimento gay americano já tem seu filme-celebração do centenário do cinema: "The Celluloid Closet", de Rob Epstein e Jeffrey Friedman, lançado mundialmente ontem em Veneza na mostra paralela "Janela Para a Imagem".
A história do homossexualismo em Hollywood não poderia encontrar melhores cronistas: Epstein já tem dois Oscars de melhor documentários por filmes com o mesmo tema, o segundo deles em parceria com Friedman: "The Times of Harvey Milk" e "Commom Threads: Stories from The Quilt". A coleção deve aumentar.
"The Celluloid Closet" sintetiza a pesquisa de toda uma vida do crítico Vito Russo (1946-1990). Partindo de seu livro homônimo, Epstein e Friedman contam os cem anos do cinema americano através do tratamento dado aos personagens homossexuais.
Para tanto, articulam uma elegante narração histórica interpretada por Lily Tomlin, mais de uma centena de cenas de filmes e depoimentos de cineastas, roteiristas e astros como Tom Hanks, Susan Sarandon, Tony Curtis, John Schlesinger e Gore Vidal.
Epstein e Friedman mostram que em pleno batismo do cinema, em 1895, Thomas Edison já rodava um esquete homoerótico com um casal de homens dançando.
A era muda trataria com humor o assunto, sendo o travestismo mais que corrente -Charles Chaplin que o diga. O despudorado erotismo de certas comédias não demora a acirrar os ânimos conservadores, Igreja à frente.
Classificado como "perversão sexual", o homossexualismo se refugia nas entrelinhas por quase quatro décadas. Quase nunca pode-se ser tão explícito quanto Marlene Dietrich vestida de smoking beijando indiferentemente homens e mulheres em "Morocco".
Gore Vidal conta que o subtexto gay da relação entre Ben-Hur (Charlton Heston) e Massala (Stephen Boyd) em seu roteiro para o épico "Ben-Hur" foi estudadamente ocultado de Heston e desenvolvido com Boyd. Menos sutil, uma cena entre Laurence Olivier e seu "servo para o corpo" Tony Curtis foi expurgada da primeira versão de "Spartacus".
"The Celluloid Closet" cita, claro, as comédias românticas estreladas por Doris Day e Rock Hudson e o par de homicidas de "Festim Diabólico" de Hitchcock.
Porém, mais originais são as releituras de "Ardida como Pimenta", "Rebecca", "Os Homem Preferem as Loiras" e, sobretudo, de "Rio Vermelho", no qual o roteirista Arthur Laurents aponta convincentemente uma amizade diferente entre os cowboys Montgomery Clift e John Ireland.
Fora do armário, lá em cima na tela, o gay ideal para a Hollywood de Hays é o Sebastian de "De Repente, No Último Verão" -um maldito sem face, sem voz, eliminado por linchamento.
É preciso a revolução de costumes de 1968 para que o panorama comece a mudar. "Os Rapazes da Banda" traz pioneiramente para o cinema um grupo de homossexuais alegres e coesos. "Cabaret" (1972) tem em Michael York um dos primeiros protagonistas indubitavelmente gays.
No mesmo ano (1982), "Fazendo Amor" e "Tudo Pela Vitória - As Parceiras" encenam histórias de amor respectivamente gay e lésbica em filmes de grandes estúdios, preparando o terreno para dez anos depois "Philadelphia" levar a AIDS para o cinemão.
Mais importante que isso, porém, é a ascensão a partir de meados do anos 80 da talentosa geração batizada de "novo cinema gay", responsável por alguns dos mais originais filmes americanos recentes: Gregg Araki, Todd Haynes, Tom Kalin.
Os próprios Rob Epstein e Jeffrey Friedman podem ser inseridos entre os mais importantes documentaristas desta nova onda. "The Celluloid Closet" termina assim em chave alta, apesar da cruzada obscurantista a pleno vapor nos Estados Unidos de Clinton.

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