São Paulo, quinta-feira, 7 de setembro de 1995
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'A Mulher Calada' come seu próprio rabo

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

Livro: A Mulher Calada
Autora: Janet Malcolm
Preço: R$ 18

A vida do biógrafo não é fácil. Curiosidade e escrúpulo parecem ser duas qualidades excludentes na personalidade do biógrafo, que nada mais é que um jornalista especializado em vidas.
A jornalista norte-americana Janet Malcolm decidiu discutir os "limites da biografia" usando como tema de seu debate uma das vidas mais misteriosas e ao mesmo tempo mais comentadas da língua inglesa: a da poeta Sylvia Plath, que se suicidou em 1963, aos 30 anos, deixando como testemunha os poemas do livro "Ariel", publicado postumamente em 1965.
Malcolm discute, uma a uma, todas as biografias que já foram escritas sobre a poeta. Mas não está interessada em discutir detalhes da vida de Sylvia Plath. O que está em questão em seu livro, "A Mulher Calada", são as antigas rixas entre americanos e ingleses, entre homens e mulheres, entre vivos e mortos.
Ao contrário das biografias citadas, Janet Malcolm procura não pintar o inglês Ted Hughes, marido de Sylvia e também poeta, como o vilão da história (leia texto ao lado). Assim, Malcolm se segura para não cair no discurso feminista, que o acusa de marido desleal, e também para não falar da vida dele com a mulher como se ele também já estivesse morto (Ted Hughes vive na Inglaterra).
"A Mulher Calada" começa com a discussão sobre o fato de Hughes ter destruído o último diário de Sylvia e censurado parte dos outros que foram publicados. Ele teria feito isso para preservar os filhos -e a si mesmo, obviamente.
Janet Malcolm diz que o biógrafo é um "arrombador profissional", que invade a casa e revira as gavetas, e que não deve, nunca, "admitir dúvidas sobre a legitimidade do empreendimento biográfico". Ao escrever seu livro como uma discussão sobre a biografia, Malcolm parece querer se livrar da pecha que ela mesma cria -mas cai na própria armadilha.
Ela faz exatamente o mesmo percurso de todos os biógrafos anteriores. Consulta as mesmas fontes (mesmas cartas e mesmas pessoas), envolve-se com a irmã de Ted Hughes, Olwyn, que ficou responsável pelo espólio de Sylvia Plath até 1991 ("uma Esfinge diante de quem os vários suplicantes precisavam se apresentar -e, invariavelmente, ser mal-sucedidos", nas palavras de Malcolm).
Olwyn de fato dedicou sua vida a censurar biografias e estudos sobre Sylvia Plath, para proteger o irmão e os sobrinhos. E se tornou, por isso, a rainha madrasta do meio literário inglês e norte-americano, onde Sylvia, depois de sua morte, foi entronizada como a heroína maltratada pelo marido desalmado.
Malcolm estabelece com Olwyn a mesma relação dúbia que a responsável pelo espólio já estabelecera com todos os outros biógrafos. Mas Malcolm tem sempre à mão o álibi de não estar de fato escrevendo uma biografia, mas discutindo os limites desse ofício.
Entretanto, todas as informações mais sórdidas sobre o suicídio da poeta e sobre as brigas do casal estão também no livro.
Mas se "A Mulher Calada", por um lado, não faz mais do que jogar mais lenha na fogueira das vaidades e da morbidez humana, por outro, levanta uma série de questões interessantes sobre a invasão da privacidade e sobre o afã de curiosidade que faz as pessoas darem ou procurarem informações sobre a vida alheia.
"A Mulher Calada" come seu próprio rabo: é a mídia discutindo a própria mídia. E recebe longas resenhas como esta.

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