São Paulo, sexta-feira, 8 de setembro de 1995
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'Grito dos Excluídos' vira ato contra FHC

GEORGE ALONSO
ENVIADO ESPECIAL A APARECIDA (SP)

Cerca de 45 mil pessoas participaram ontem de manhã, na Basílica de Aparecida (SP), de um Sete de Setembro diferente: o do Grito dos Excluídos. Foi um protesto contra a política econômica do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Além de missa, houve um panelaço, o brandir de panelas vazias na praça da igreja.
Contando com o apoio de parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o grito que se ouviu em Aparecida, na 8ª Romaria do Trabalhador, tinha vários alvos: pela reforma agrária, pela distribuição de renda, contra o desemprego e a corrupção.
Com a basílica lotada, o ataque ao governo FHC veio sem meias palavras, na boca de d. Angélico Sândalo Bernardino, da Pastoral Operária da CNBB, que celebrou a missa ao lado de d. Demétrio Valentini, coordenador da Pastoral Social da entidade.
"O sistema neoliberal é frio. Contempla as riquezas deste país para poucos. O que se vê é a concentração da riqueza nas mãos de quem vive da lógica da espoliação e exploração da classe trabalhadora", disse ele, do altar, durante a homilia (pregação sobre o Evangelho). Os fiéis aplaudiram o bispo.
A questão agrária também foi lembrada durante a missa. "Recentemente, vimos homens, mulheres e crianças sendo simplesmente esmagados porque gritavam por terra para trabalhar", afirmou d. Angélico Bernardino.
Ele estava se referindo ao massacre de Corumbiara, em Rondônia, onde 10 sem-terra foram mortos a tiros pela polícia, em 9 de agosto último, após ocuparem a fazenda Santa Elina.
O bispo foi aplaudido de novo quando falou: "A terra no Brasil continua sendo roubada porque está sendo estocada para se obter lucros e não para produzir, não para o plantio. É uma usurpação".
Ao fim da missa, em conversa com jornalistas, d. Angélico Bernardino acusou os políticos de não se empenhar em resolver a questão da terra. "Grande parte dos proprietários de terra está no Congresso e não está interessada em fazer a reforma agrária."
Ele falou ainda sobre "a recessão" provocada pelo Real e o desemprego: "Não basta a liberdade de mercado. É preciso gerar empregos. Não se sana a economia de um país colocando na marginalidade milhões de pessoas".
O bispo não poupou também a herança do regime militar (1964-1985). "Não podemos aceitar que o alimento do povo brasileiro seja destinado para pagar uma dívida externa contraída por governos imorais", disse.
Ao meio-dia, a praça da Basílica de Aparecida, a santa padroeira do país, foi tomada por milhares de pessoas com apitos e panelas.
Às 12h10, ouviu-se, além do refrão "A Vida em 1º Lugar", o som do "panelaço" -barulho de garfos batendo nas panelas.
Eram agitadas bandeiras do PT e do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) e faixas de caravanas vindas de São Paulo, Rio, Espírito Santo, Minas Gerais e Goiás. Entre elas, lia-se "Não queremos PM nas questões da terra" e "Punição aos responsáveis pelo massacre de Rondônia".
Ontem, a cidade de Aparecida (170 km a nordeste de São Paulo) recebeu durante todo o dia 90 mil visitantes. Metade deles, segundo a CNBB, foi só para a 8ª Romaria do Trabalhador, que teve a presença de 70 padres e sete bispos.
O presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, falou rapidamente antes da missa. "Está na hora das grandes reformas sociais. E as pessoas têm de cobrar".
Ele anunciou a intenção de organizar, em novembro, uma caminhada de dez dias contra o racismo, de São Paulo a Aparecida, pelos 300 anos da morte de Zumbi.

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