São Paulo, sexta-feira, 8 de setembro de 1995
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"Direitos humanos: esse é o novo nome da luta pela liberdade e pela democracia"

Leia a íntegra do discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Senhoras e senhores.
Ministro Pertence, presidente do Supremo Tribunal.
Dr. Cristovam Buarque, governador de Brasília.
Senhores ministros.
Senhores representantes dos vários segmentos da sociedade brasileira.
Hoje, 7 de Setembro, é a nossa maior data. É uma data na qual nosso povo comemora, há 173 anos, a nossa história de luta pela liberdade. A luta pelo fim da escravidão antiga, a luta por eleições livres e limpas, a luta por uma Constituição que assegura os direitos, a luta pelos direitos do trabalhador, a luta contra o totalitarismo, tanto na Europa quanto no Brasil, a luta contra o autoritarismo, a luta pela restauração da democracia.
Essa luta pela liberdade, essa luta que se confunde com a democracia, é uma luta incessante, é uma luta cotidiana, e nós conseguimos vitórias importantes. Nós estamos no Brasil construindo uma democracia verdadeira. As palavras do Milton, dizendo por que e como ele explica, lá fora, o sentimento que ele tem, de amor ao Brasil, são um exemplo disso. São exemplo de que nós estamos aqui, pouco a pouco, conseguindo o que é importante, conseguindo não só que existam instituições livres e democráticas, mas que haja também o sentimento de todo o povo: das crianças, dos adultos, dos mais idosos, um sentimento de carinho e de amor uns pelos outros e pelo país.
E hoje há uma vontade imensa de participação. Hoje, nós estamos nos organizando, nós, eu digo, o Brasil todo, para que nós defendamos a natureza, para que nós defendamos o direito do consumidor, para continuar lutando contra a corrupção, para defender os direitos do homem, da mulher, em todas as formas em que essa luta pela liberdade possa assumir um caráter de ampliação daqueles que por ela lutam, de participação mais ampla.
Luta em defesa também da igualdade, que as diferenças de sexo e gênero não sejam impeditivas da realização dos potenciais da pessoa humana. A luta para o respeito nas diversas fases da vida, da criança até o mais idoso. A luta para que os portadores de deficiências físicas sejam tratados condignamente, como têm direito ao respeito. A luta contra a discriminação do índio, do negro, mormente agora que nós estamos, neste ano também, para comemorar os 300 anos de Zumbi, nós temos que afirmar com muito orgulho mesmo, a nossa condição de uma sociedade plurirracial e que tem muita satisfação de poder desfrutar esse privilégio de termos, entre nós, raças distintas, e de termos, também, tradições culturais distintas. Essa diversidade é que faz no mundo de hoje realmente a riqueza de um país.
E agora, que nós estamos nos aproximando do século 21, essa luta pela liberdade e pela democracia tem um nome específico, chama-se “direitos humanos”. Esse é o novo nome da luta pela liberdade e pela democracia. E nesta data simbólica do Brasil, nós estamos assistindo também a essa vontade do nosso povo, de não apenas falar de direitos humanos, mas de garantir a sua proteção. E cada um tem que fazer a sua parte.
O governo, não só por um compromisso pessoal do presidente da República, mas no seu conjunto de governo, já assumiu este caminho. O Ministério do Trabalho está engajado numa luta sem trégua contra o que se chama de trabalho forçado. Ainda ontem tivemos uma solenidade à qual não só o Milton, mas o Gil, os presidentes das grandes federações e confederações de trabalhadores vieram se somar a essa mesma palavra, e o ministro do Trabalho levou adiante essa campanha. Nós não podemos agora, no começo, no limiar do século 21, tolerar formas de exploração do trabalho desumanas, trabalho infantil, trabalho forçado, que é denominado muitas vezes até de trabalho escravo. O governo está atento a isso e (está) trabalhando numa luta sem tréguas contra esse tipo de degradação do ser humano.
Nós lançamos um programa que vai permitir o atendimento, dentro das condições do Brasil, de um salário-mínimo a todos os idosos de mais de 70 anos que não tenham condições de sobrevivência por conta própria e aos portadores de deficiência física. Serão centenas de milhares de pessoas, talvez milhões, não sei, mas é a responsabilidade da sociedade. E o governo, neste momento, apenas faz aquilo que a sociedade deseja nesse sentido.
O Ministério da Justiça está empenhado também em combater a prostituição infantil e a promover o ensino dos direitos humanos às forças policiais. Ou seja, em termos nós do Executivo uma atitude condizente com o que espera o Brasil de nós, sobretudo, os mais moços e as crianças. Mas nem tudo depende do Executivo.
Nós contamos também com a ação do Legislativo, e o Legislativo tem responsabilidades enormes nessa matéria. Até hoje não foi tipificado crime de tortura, que é uma exigência constitucional. Nós vamos precisar marchar nessa direção. É preciso aprovar o projeto de 1994 de reformulação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana para que ele possa ter responsabilidades mais efetivas.
Há muitos anos eu participei, como um representante da oposição, então, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Num dado momento, renunciei, porque percebi que não adiantava. Nós não tínhamos os instrumentos, mas sabíamos quem eram os criminosos, quem matava, muitas vezes, nesse interior do Brasil, violentamente por causa da terra ou por causa de banditismo de todo tipo, e nós não tínhamos a eficiência necessária para poder combater e punir os responsáveis.
Também no Legislativo existe um projeto, agora, deste ano, de proteção às testemunhas nas investigações criminais, porque, não havendo proteção à testemunha, ela muitas vezes se sente inibida e não tem condições de efetivamente dizer o que sabe. E assim não permite que a sociedade, através da Justiça, possa cumprir os seus objetivos de restaurar muitas vezes a dignidade pública, outras vezes coibir violações de direitos da pessoa.
E o Judiciário também terá o momento de dar a sua cooperação nesse espírito do Brasil, de um Brasil que quer realmente passar a limpo, virar, como eu disse recentemente ao falar dos desaparecidos, uma página da história.
Eu acho que nós temos aí violações graves, que não puderam ainda chegar a seu termo, no Carandiru, na Candelária, em Vigário Geral, dos jovens desaparecidos de Acari, e mais recentemente em Corumbiara, e nós precisamos ter instrumentos que permitam que haja uma punição exemplar. Não pelo sentido de vingança, que não será o rancor nem o ódio que vai reconstruir o Brasil no amor da pessoa humana, respeito ao direito da pessoa humana, mas num sentido mesmo de restabelecer condições de convivência.
Muitas vezes é inaceitável saber-se que existe o criminoso e não se ter condições para que ele seja punido, seja o crime de que coloração tenha sido, seja ele de colarinho branco ou não. É bem verdade que muitas vezes não há condições, porque a Justiça não dispõe dos instrumentos para tanto, não dispõe de uma legislação adequada e muitas vezes nem sequer dos meios materiais para agir mais rapidamente. Em suma, nós precisamos de um compromisso de cada um de nós nessa luta pelos direitos humanos que é hoje, repito, a verdadeira luta pela democracia.
Para isso nós precisamos mobilizar a sociedade. Mobilizar a sociedade e fazer, chamar a atenção da sociedade para os temas pertinentes. Por exemplo, agora em setembro nós estamos vendo que há uma grande conferência que as Nações Unidas têm feito várias sobre questões de direitos humanos, mas neste momento se realiza na China, em Pequim, a Ruth, minha mulher, lá está com a delegação brasileira. Então é um mês que nós deveríamos dedicar à questão da mulher.
No mês seguinte, que é o mês de outubro, nós podemos falar sobre a criança, o mês da criança. Depois em novembro o mês da questão do negro, por causa do dia 20 de novembro, que é do Zumbi. E assim por diante. Não com o objetivo de fazer propaganda, não com o objetivo de dizer: o governo está fazendo. Não. Quem está fazendo é o país, quem tem que fazer somos nós todos juntos, com um único objetivo de realmente nós termos cada vez mais condições de ter amor a essa pátria e podermos dizer, como disse o Milton Nascimento há pouco aqui, que lá fora nós poderemos dizer com tranquilidade há injustiças, sim, mas nós estamos combatendo. Nós estamos combatendo com seriedade, nós estamos combatendo com confiança.
Enfim, nós temos todas as condições hoje, no Brasil, mais do que condições, é uma exigência nacional no sentido de que juntos, o governo, o Legislativo, o Judiciário, a sociedade, as organizações não-governamentais, enfim, que em conjunto nós possamos realmente fazer aquilo que esperam de nós.
E por causa disso, tendo em vista essa necessidade, de nós chamarmos a atenção para todos esses problemas, nós estamos, agora, criando o prêmio de direitos humanos, que será atribuído no dia 10 de dezembro, que é o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse foi um prêmio que foi possível organizar porque houve empresários que se dispuseram a contribuir para esse prêmio.
Nós estamos criando um comitê de julgamento, presidido pelo ministro da Justiça e composto por 11 personalidades, que já se dirão quais são. Esse prêmio será dado àquela organização não-governamental ou àquela pessoa ou àquele setor do Estado que se tenha distinguido na luta pelos direitos humanos.
Eu acho que nós precisamos também fazer o Plano Nacional dos Direitos Humanos, porque na Declaração de Viena, de 93, o Brasil deu um pontapé muito ativo na declaração que aí foi aprovada, e chegou a hora de nós mostrarmos na prática, num plano nacional, como é que nós vamos lutar para acabar com a impunidade, como é que nós vamos lutar para realmente fazer com quem os direitos humanos sejam respeitados.
E nesta cerimônia simples que estamos realizando aqui no jardim do Alvorada, depois de uma parada militar, e hoje, à tarde, nós vamos ter aí na praça dos Três Poderes uma festa popular, porque a data de 7 de Setembro é uma data do povo, do país. Nessa cerimônia simples, agora, nós vamos ter aqui o seu encerramento com a apresentação do Milton Nascimento e do coral Curumins e Rouxinóis, que aqui está, que veio nos alegrar para comemorar o dia 7 de Setembro, com essa homenagem que nós prestamos a todos aqueles que precisam de uma posição mais forte, mais firme de defesa dos seus interesses, diminuindo as desigualdades.
Nós então temos que fazer, neste momento, uma reflexão sobre o que nós somos, sobre o que nós queremos, porque o país somos nós. Essa é a realidade. O país somos nós, nós sabemos o que nós queremos e, por consequência, nós temos esse momento agora, eu diria, de emoção popular e nacional, de um sentimento de um Brasil que acredita em si, que acredita em seu povo e que cansou da injustiça, que cansou da falta de direitos efetivos, de proteção efetiva às suas minorias, aos que são discriminados.
Então eu acho que nada melhor no Dia da Pátria, em que nós comemoramos com tanto, tanto orgulho até, eu diria, assistir àquela parada militar bonita, ao ver que nós temos uma tradição que vem de longe em defesa do nosso solo, da nossa soberania. Nós temos tradições das quais nós podemos nos envaidecer. Neste mesmo dia, nós estejamos aqui reunidos todos, nesta festa simples, simbólica, fazendo uma reflexão sobre essa questão dos direitos humanos e podermos dizer com muita tranquilidade, com muita satisfação; o país somos nós e este é um grande país.
Muito obrigado.

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