São Paulo, sexta-feira, 8 de setembro de 1995
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Analfabetismo no Brasil: o que há de novo?

SÉRGIO HADDAD

Hoje, dia 8 de setembro, Dia Internacional da Alfabetização, podemos perguntar: o que há de novo no quadro do analfabetismo de jovens e adultos?
O censo de 1991 mostrou um país de 19,2 milhões de analfabetos com idade acima de 14 anos, 20% da população nessa faixa etária. Temos, no entanto, que tomar cuidado com esses índices.
O IBGE considera uma pessoa alfabetizada aquela que é capaz de ler e escrever um bilhete. É um critério pouco rigoroso e pouco confiável quanto a sua aplicação. Indicador melhor seriam os anos de escolaridade completados.
Estudos na América Latina têm demonstrado que são necessários ao menos seis anos de estudo para que uma pessoa passe à condição de alfabetizada plena, ou seja, em condições de utilizar as habilidades de leitura, escrita e cálculo para enfrentar as exigências da vida moderna e para continuar aprendendo. No Brasil, 50% da população adulta não têm mais de quatro anos de estudo; a maioria, portanto, é analfabeta.
Há uma tendência histórica de diminuição na taxa de analfabetismo e de aumento no número absoluto de analfabetos: em 1960 eram 15,9 milhões de jovens e adultos (39,6% da população nessa faixa etária); em 1970, 18,1 milhões (33,6%); em 1990, 18,7 milhões (25%). Tomando os dados acima do censo de 91, percebe-se uma alteração nessa tendência, infelizmente para pior. O número de analfabetos cresceu mais do que se esperava (havia uma expectativa inclusive que o número começasse a cair), e a taxa de analfabetismo teve a menor queda dos últimos 50 anos (5%).
No entanto, entre 1950 e 1960 a taxa de analfabetismo caiu em 11%, mostrando que é possível acelerar esse processo em pelo menos o dobro do tempo. Três fatores principais contribuíram para isso: crescimento econômico com mobilidade social, expansão da oferta do ensino primário com qualidade, programas de educação de jovens e adultos com recursos específicos para esse fim. O que ocorreu na última década causando essa reversão de tendência?
Uma das causas dos elevados índices de analfabetismo entre jovens e adultos é a pobreza. É por isso que, por exemplo, a região Sudeste atingiu taxas em torno de 12% de analfabetismo, enquanto o Nordeste mantém 37%. No entanto, é o Estado de São Paulo que possui o maior número de analfabetos. Ou seja, os índices de escolarização acompanham os de desenvolvimento regional e, dentro das regiões, os grupos sociais que se apropriaram dos frutos do desenvolvimento nacional.
A universalização do ensino básico e a superação do analfabetismo, portanto, só ocorrerão com desenvolvimento acrescido de melhor distribuição de renda. Não há milagre a ser feito. Nos anos 80, o Brasil passou a recordista mundial em desigualdade social na pior década do seu desempenho econômico. Isso impediu a melhoria nos índices de analfabetismo. Portanto, a melhor receita é crescimento com distribuição de renda.
O outro aspecto importante é a escolarização básica infantil. Como é óbvio, não se supera o analfabetismo entre jovens e adultos se não houver um processo de universalização do ensino básico, com qualidade. Hoje, 6 milhões de crianças na faixa dos sete aos 14 anos estão fora da escola. Se em certas regiões do país já há oferta de escola para todos, o que interessa é o tipo de escola: ampliaram-se as matrículas, mas a qualidade do ensino caiu drasticamente.
A novidade dos anos 80 esteve na forma de excluir as crianças da escola. Antes não se ofereciam vagas à população. Hoje, o aluno entra e o ensino é tão ruim que ele sai. Se fica, aprende pouco ou quase nada. Além do problema do crescimento econômico com justiça social e da universalização e qualidade do ensino fundamental, o que fazer com os milhões que não tiveram oportunidade de se escolarizar na época adequada?
Infelizmente, nesse aspecto, o que há de novo é não haver nada de novo. É louvável que não se faça demagogia com essa questão como em governos anteriores. Mas é lamentável que até hoje o governo FHC não tenha pronunciado uma frase ao menos sobre uma questão de tamanha gravidade social.
Suas metas têm sido tímidas, seus recursos irrisórios, sua vontade política de convocação da sociedade e demais níveis de governos, aparentemente, nenhuma. Isso caminha na contramão de qualquer lógica "neo-social". Caminha até na contramão da própria lógica do mercado, hoje tão exigente de uma mão-de-obra com boa formação escolar.
Pior, no entanto, é que essa omissão acaba por reforçar falsos consensos que imobilizam qualquer ação para superar o analfabetismo. Multiplicam-se discursos sobre o baixo interesse dos que não têm escolaridade, de que é jogar dinheiro fora investir na educação de adultos, de que temos poucos recursos e é necessário concentrá-los na educação infantil.
Parece ser uma opção: deixar que só as novas gerações aprimorem os indicadores educacionais. Uma espécie de genocídio educacional.

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