São Paulo, sábado, 9 de setembro de 1995
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Violência é diferencial de torcidas

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

A violência nos estádios é uma tentativa de as torcidas firmarem sua própria identidade. Semelhantes em tudo o mais, elas encontram na violência a última forma de diferenciação em relação às outras.
Essa é a análise do antropólogo Massimo Canevacci, 54, da Universidade de Roma. Canevacci tem se dedicado a estudar os movimentos de jovens e as transformações culturais provocadas pela tecnologia.
Ainda neste ano, será publicado no Brasil seu livro sobre o tema do sincretismo cultural.

Folha - Por que surge a violência entre torcidas?
Massimo Canevacci - Temos de usar o conceito de comunicação esportiva. A comunicação esportiva não fica só no estádio, é uma trama comunicativa de jornais, rádios, TVs, que se conecta com o estádio.
As formas de elaboração de slogan, bandeiras, não são fixas, mudam toda semana.
Agora uma bandeira pode cobrir todo o estádio. Quem inventou isso foi a Sampdoria, há cinco anos, e foi copiada.
Na segunda-feira, a TV mostra tudo o que aconteceu nos estádios e vai logicamente retratar as torcidas. Então, cada time vai olhar o outro para descobrir as formas que serão modificadas.
As torcidas, e isso é bem interessante, são ao mesmo tempo totalmente diferentes umas das outras e ao mesmo tempo totalmente iguais. São os mesmo jovens, as mesmas roupas. A única coisa que acaba sendo usada para diferenciá-los é a violência.
É só na violência, em última instância, que as torcidas afirmam sua diferença em relação à outra torcida que é totalmente idêntica. A violência é assim a última e desesperada linguagem que pode representar a identidade, não mais total, mas bem fragmentada, a identidade de um pedaço da vida, da torcida.
Folha - A violência nos estádios é um sintoma de que a juventude hoje é de direita?
Canevacci - O que acontece no estádio não é uma simples subcultura juvenil de direita, como às vezes se considera.
É uma cultura de direita nos signos, não nos símbolos. Usam muito o comportamento do fascismo, com a mão levantada. Parece que a torcida do Corinthians faz assim, o jovem romano usa as suásticas. Em Roma eles falam "Duce Duce Duce" (título do ditador fascista italiano Benito Mussolini).
Uma pesquisa mais aprofundada vai descobrir, no entanto, que significante e significado não vão coincidir. Não é uma comunicação política, é um outro tipo.
A violência esportiva é sem conceito, porque dirigida contra elementos da juventude que são totalmente idênticos a si mesmos. Como definir isso de direita? O conceito de direita é metafórico, é um conceito do passado para entender algumas coisas.
Folha - Como o sr. identifica esse divórcio entre os significantes e os significados?
Canevacci - Há um bom exemplo na Itália dessa diferença entre significante e significado.
Uma rádio livre fez o seguinte experimento: deixou a secretaria eletrônica funcionado todo o dia para qualquer pessoa deixar sua mensagem. O que surgiu foi uma situação de violência, havia muitas mensagens violentas, muitos palavrões.
Entre as mensagens, havia uma sobre a disputa entre as torcidas do Roma e do Milan: "Viva o Roma, viva o Duce, milaneses bastardos, Milão tem de ser queimada".
Ora, em um pensamento nacionalista, fascista, não se pode colocar Roma aqui e Milão queimada. O fascismo é uma visão nacionalista, um poder para toda a nação. Não se pode dizer que o Duce está com a torcida do Roma e não com a do Milan.
O Duce não pode ser o símbolo de uma torcida, pois no pensamento político é o símbolo de toda uma nação.

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