São Paulo, sábado, 9 de setembro de 1995
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Relação com Bach era mística

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Dois incidentes com maestros de reconhecida competência costumam ilustrar a excentricidade musical de Glenn Gould.
O primeiro ocorreu com George Szell (1897-1970) durante uma interpretação, em Cleveland, de um dos concertos de Beethoven.
Gould exorbitava no pedal que abafa o som do piano e forçava os violinos e violas a diminuirem em excesso a intensidade das notas que produziam para conseguirem acompanhá-lo.
"Esse estúpido é um gênio", desabafou Szell, que desde então se recusou a novas parcerias com o solista canadense.
Em Nova York, pouco antes de um dos concertos para piano de Brahms com a Filarmônica local, Leonard Berstein (1918-1990) vem a público e diz o seguinte:
"Não concordo com nenhuma das inflexões do sr. Gould, mas tenho a honra de acompanhá-lo com minha orquestra porque sua interpretação é brilhante e original."
Em termos de mercado fonográfico, esse brilhantismo e essa originalidade foram notados em 1955, quando Gould gravou pela primeira vez as "Variações Goldberg", de Johann Sebastian Bach.
Conseguiu executá-las em 38 minutos, a metade do tempo consumido pelo pianista russo Andrei Gravrilov, um dos excelentes intérpretes da época.
Gould não só desobedecia os sinais de repetição de compassos, inscritos na partitura, como também concebia cada variação como um corpo sonoro independente.
Com isso, as variações eram suscetíveis de cadência própria, que poderia ser lenta em excesso na sua delicadeza, permitindo que emergisse a clareza polifônica.
Essa visão particularizada e renovadora de Bach se repetiria com ao menos duas outras gravações: a das "Suites Inglesas" e a das "Invenções a Duas e Três Vozes".
A mística surgida dessa relação entre Gould e Bach teve vida longa e não foi superada, em intensidade, nem pela aparição, já nos anos 80, das gravações do compositor do barroco alemão feitas pelo ex-jazzista Keith Jarrett.

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