São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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A moda do chapéu na mão pode voltar

OSIRIS LOPES FILHO

A questão federativa não tem sido abordada com a suficiente profundidade. Alguns equívocos podem ser atribuídos aos nossos historiadores nessa matéria.
Disseminou-se, no passado, que a Federação brasileira era artificial. Teria sido copiada por Rui Barbosa da estrutura estatal americana, sem vínculo profundo com a realidade brasileira.
Nada menos verdadeiro. As revoltas durante o Império, contra a centralização do Estado Unitário, que vigorava, estão registradas na história como reação à concentração financeira e política do poder central do Império.
Daí que a Federação, no Brasil, foi instituída concomitantemente com a República. Todas as Constituições republicanas consagraram-na, em seu artigo 1º. Todavia, a estrutura do sistema tributário, concentrador de competências tributárias, temperava e neutralizava a afirmação federativa. Apenas na "Constituição Cidadã de 88 foi estabelecido mecanismo que possibilitou se estruturasse uma Federação efetivamente consistente do ponto de vista tributário.
Além de se atribuírem competências potentes e rentáveis aos Estados, Distrito Federal e municípios, foram incrementados os mecanismos de partilha da arrecadação tributária.
O desequilíbrio econômico é muito grande entre as regiões do país. Há bases tributárias no país insuficientes para produzir um nível razoável de arrecadação. Assim, foram aperfeiçoados os mecanismos já existentes de redistribuição regional do produto da arrecadação do IPI e do Imposto de Renda, para direcionar recursos a regiões carentes. No IR e no IPI, 47% da sua arrecadação são distribuídos da seguinte forma: 22,5% para o Fundo de Participação dos Municípios, 21,5% para o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e 3% para o Fundo de Desenvolvimento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No âmbito IPI a União transfere, em acréscimo, a título de ressarcimento do esforço de exportação, cerca de 10% de sua arrecadação.
A proposta de reforma tributária apresentada pelo governo federal inicia a erosão dessa demorada e sofrida evolução da Federação brasileira. Em verdade, a luta pela preservação da estrutura federativa do Estado brasileiro não é fácil, tendo em vista que há uma incompreensão popular sobre o seu valor. O conceito de Federação é essencialmente político, constitucional e, portanto, jurídico.
Todavia, a sua projeção na atividade do Estado é pragmática. O objetivo é colocar o poder público prestando serviços à população na forma mais direta e eficaz. Aproximar o poder público do povo, descentralizá-lo.
Nos períodos de ditadura a nossa história registra uma tendência centralizadora, crepúsculo da Federação. Nos momentos de democracia, e afirmação do Estado Constitucional de Direito, portanto, de abertura e liberdade, a tendência natural e lógica é a de fortalecimento da Federação.
Parece que a emenda tributária apresentada pelo governo federal foi produzida pelos que o engenheiro Leonel de Moura Brizola designa, com propriedade, de "filhotes da ditadura. São incapazes de pensamentos e ações generosos. São pessoas sedentas de poder. Centralizadoras.
A absorção pela União de todo poder decisório do ICMS constitui exemplo magnífico da arrogância desses senhores que se supõem superiores apenas por deterem temporariamente o poder.
É hora de os governadores, preocupados com a renegociação das dívidas estaduais, comecem a reagir contra atentado que se engendra à autonomia estadual. Nesta Semana da Mulher, devem seguir a atitude da governadora Roseana Sarney, que se recusa a vir de pires na mão implorar a caridade financeira do governo federal. Se continuarem bem comportados, o melhor é comprarem o chapéu para, no futuro, colherem as migalhas que o poder brasiliense lhes atribuir, do alto da sua torre de marfim.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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