São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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'Os intelectuais têm um papel'

DARCY RIBEIRO

A utopia é uma vontade de comer todos os dias, de ter um emprego, de poder educar um filho. Isso é uma utopia. Isso é o clamor utópico mais alto. Além do clamor, há um outro lado: a criatividade. E nessa criatividade é que nós os intelectuais somos chamados a ter um papel.
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Essas multinacionais têm meninos que sabem computação, que é a sabedoria moderna, os bancos têm uma grande quantidade de intelectuais brilhantes também trabalhando para eles. E quem é que está trabalhando para o povo? Quais os intelectuais brasileiros fiéis ao povo brasileiro; que estão ajudando o povo brasileiro a pensar o seu próprio destino? Inventar um projeto próprio para a nação é o grande desafio dos intelectuais brasileiros. A maior parte dos nossos intelectuais está muito desinteressada do destino do povo.
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Não há burrice maior do que ficar contra os políticos e misturar todos. A maior parte dos políticos quer que a ordem social continue, e nós temos que lutar contra eles. Mas lutar contra eles é fazer política. A canalhada quer manter a ordem social, que é vantajosa para ela, que é lucrativa para ela, e ela tem que ser vencida politicamente. Não se trata de vencê-la numa poesia, ela tem que ser vencida concretamente.
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Acabou a utopia, acabou a idéia de que o mundo é um projeto, melhorável, aperfeiçoável? Então estão querendo fazer com que nós nos contentemos que esse mundo seja a merda que é, o que não é possível. Esse mundo brasileiro é muito doído para que a gente se console com isso e aceite. Está se desenvolvendo a atitude de que automaticamente as coisas vão dar certo: "Não se preocupe, cruze os braços, vá brincar, porque o futuro é nosso e automaticamente o Brasil vai dar certo". Não vai dar certo. Não vai dar certo e pode piorar. Vem uma nova civilização aí. Se não estivermos ativos, claros, lúcidos e utópicos, nos colonizarão.
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Estou criando agora no norte fluminense uma universidade que chamo de "Terceiro Milênio". Ela é voltada ao domínio da ciência e da tecnologia, porque ou nós dominamos os laboratórios, com os cientistas, a ciência e a tecnologia, ou seremos colonizados. Porque não vamos nem entender a linguagem do mundo do futuro.

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