São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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Complexo de Minerva

MARIO VITOR SANTOS

A escola parabólica supõe gastos de alguma magnitude e rendimento comprometido pela frouxidão do método
O projeto do Ministério da Educação de distribuir 46 mil antenas parabólicas até o fim do ano às escolas públicas de primeiro e segundo graus parece um lamentável engano.
É a primeira grande iniciativa deste governo para realizar a promessa de priorizar e revolucionar a educação. Outras, como a melhoria dos salários do magistério, dependem da boa vontade do Congresso, da equipe econômica, dos governos dos Estados e municípios.
É provável que as autoridades acreditem no que dizem sobre as possibilidades do "maior programa de teleducação do mundo". É justamente essa crença que causa estranheza.
O programa quer tratar do pior nó da educação: o baixo nível dos professores. Como superá-lo? O ministério deve estar considerando muitas alternativas, mas a escola parabólica é das piores. Ela supõe gastos de alguma magnitude (quem lucra?) e rendimento pedagógico comprometido pela frouxidão do método.
Nas escolas, os professores vão se reunir em torno de uma TV e assistir a programas especialmente produzidos para orientar suas aulas. Isso deve acrescentar algo, mas esperar que signifique uma mudança de qualidade na maneira como eles ensinam é uma ilusão.
Com esse programa, o governo perpetua a falência educacional ao enfatizar um desvio típico do fascínio tecnológico basbaque, com ênfase em prédios, equipamentos, no fetiche do deus-máquina, no fantasma das ondas eletromagnéticas.
A boa pedagogia e o bom senso ensinam que a formação do professor se faz na escola, no estímulo à discussão rigorosa de práticas e conteúdos do que é passado aos alunos.
Deveria ser implementada no bojo do maior programa de qualidade do mundo, tocado em pirâmide, no corpo-a-corpo com cada professor, em cada sala de aula, à custa de muito mais dinheiro, além de empenho geral e localizado. Isso, para que se obtenha resultados razoáveis, talvez num prazo mínimo de dez anos.
Tal revolução teria que ser deflagrada por um núcleo dinâmico de alta capacidade, envolvimento e também muito bem pago. Só se ensina mesmo quando um professor mostra ao aluno como se aprende. Se o professor não sabe ele próprio, não será uma TV e a companheira parabólica que vão fazer o milagre.
Programas televisivos devem ser usados, mas é inversão pensar que podem brecar o ciclo de formação em massa de ignorantes-alunos, que depois se transformam em ignorantes-professores. Ademais, parabólicas já viraram sinônimo de pobreza, como se nota em qualquer favela.
Os recursos das antenas seriam melhor usados -mas aí o país teria que investir dinheiro grande- se se aumentasse o tempo dos alunos em sala de aula e também o dos professores de carne e osso. O resto pode também ser feito, mas deixa uma impressão de que, depois de muito esforço, a montanha dá à luz um simulacro, um híbrido de Projeto Minerva com Mobral.

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