São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 1995
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De volta ao dever

JANIO DE FREITAS
DE VOLTA AO DEVER

A melhor providência que o Congresso está adotando ainda não mereceu destaque no noticiário sobre o Orçamento da União para 96. Perdida entre as tantas inovações reunidas sob o obscuro rótulo de Resolução 4, a boa providência é a obrigatoriedade de que o Congresso encerre o seu descaso, inconstitucional e imoral, pelo exame das contas anuais que refletem o uso do dinheiro público pelo governo.
A Resolução 4 tem a finalidade de melhorar a racionalidade e a moralidade da Comissão Mista de Orçamento, onde foi produzida a série de escândalos culminada na CPI do Orçamento. Entre as inovações está a que fixa o prazo de 90 dias para que o Congresso examine o relatório do Tribunal de Contas da União sobre a movimentação financeira do governo.
Há cinco anos o Congresso abdicou da responsabilidade que lhe é atribuída pelo artigo 48-IX da Constituição: "Julgar anualmente as contas prestadas pelo presidente da República e apreciar o relatório sobre a execução dos planos de governo". A última vez em que o Congresso cumpriu essa obrigação foi ainda no governo Sarney, em relação às contas de 89.
No governo Collor chegou-se ao absurdo absoluto. Tantas e tamanhas foram as constatações de improbidade no uso do dinheiro público, que o relatório do TCU só podia ser altamente condenatório do governo, pela recusa das contas. Por isso mesmo, em vez de cumprir sua obrigação constitucional, o TCU decidiu por unanimidade adotar o caminho oposto: não fazer o relatório, simplesmente remetendo as contas ao Congresso. E o Congresso, por sua vez, decidiu simplesmente não as examinar.
Ao embalo do deixa prá lá então inaugurado, também ficaram sem apreciação do Congresso as contas anuais do governo Itamar, embora não porque o TCU as considerasse inaceitáveis. Era, apenas, mais um hábito acrescentado aos que caracterizam o desprezo dos Poderes pelas exigências morais e sociais da Constituição.
Se nem os preceitos constitucionais são cumpridos, não pode haver certeza de que uma resolução venha a sê-lo. Mas é um passo promissor no sentido de que o seja. E, hoje em dia, mesmo uma singela reverência à Constituição merece, também ela, uma reverência. É o que faço.

Exceção
Nada mais raro em política do que atitude de grandeza. Pois é o que acaba de fazer o prefeito César Maia, a propósito da discussão, na Assembléia fluminense, em torno das contas do último ano do governo Brizola: "Fui secretário do Brizola e o conheço bem. É honesto. Divergências políticas não bastam para culpá-lo por um diretor de banco estadual que tenha roubado". César Maia, rompido com Brizola e hoje no PFL, mandou que sua bancada vote pela aprovação das contas.
No prefeito César Maia, dedicado só à sua publicidade, não se reconhece mais o político sério, com visão social e administrativa lúcida, estudioso e trabalhador. Mas sua atitude em relação ao adversário faz pensar que, à margem do político, sobreviveu a pessoa.

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