São Paulo, quarta-feira, 13 de setembro de 1995
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E se fosse no Brasil?

GILBERTO DIMENSTEIN

Como repórter em Brasília acabei me deparando com segredos de alcova dos personagens do poder -aliás, um dos assuntos favoritos na galeria de fofocas da imprensa, especialmente quando envolve jornalistas e políticos.
Se a moda Packwood pegasse no Congresso brasileiro ou na Esplanada dos Ministérios, cabeças iriam rolar. O estrago da CPI do Orçamento, protagonizada pelos anões, pareceria um piquenique de confraternização.
O caso Packwood é, hoje, o maior escândalo da política americana. Ao atingir uma figura importante do Partido Republicano, entra no jogo da sucessão presidencial, que já está nas ruas. Para ter uma idéia do impacto aqui, imagine se no Brasil fosse divulgado um diário de um político da estatura de Antônio Carlos Magalhães, contando peripécias sexuais, corpos deitados ao chão de gabinetes movidos a bebida e luxúria.
Acusado, entre outras coisas, de atacar suas assessoras, o poderoso senador Bob Packwood renunciou na semana passada e deixou de rastro um detalhadíssimo diário. Com 63 anos e casado, Packwood registra em seu diário casos com 22 assessoras. Uma delas, por exemplo, foi dispensada por ser feliz demais no casamento. A justificativa: "Mulheres felizes não mudam o mundo".
Num gesto de originalidade teológica, ele chegou até mesmo a usar Cristo como pretexto para suas investidas. Diz ter ficado apiedado de uma assessora de medíocre vida sexual e, aí, por "dever cristão", ofereceu-se ao sacrifício. Diante disso, vamos convir, o também senador Bernardo Cabral é um exemplo de recato.
Com o mesmo fervor cristão do senador americano, dezenas de políticos usam Brasília como refúgio à monotonia conjugal e muitos deles fingem não saber que o contrato de trabalho das assessoras é para realizar tarefas na vertical.
Como a impunidade é um dos traços marcantes da vida nacional, as vítimas se calam.
PS - A propósito, um fato curioso permanece rodeado de mistérios: a CPI do Orçamento encontrou cheques de parlamentares destinados a amantes. Um acordo de cavalheiros garantiu o segredo.

O Projeto Axé, homenageado anteontem por Caetano Veloso, é considerado por especialistas norte-americanos em educação uma das mais importantes experiências do mundo -é o projeto social brasileiro mais registrado pela imprensa americana. Mesmo assim, o Axé passa por sérias dificuldades financeiras. Tivéssemos mais gente como Caetano Veloso no Brasil, sobrariam recursos para projetos como este -aliás, nem sequer existiriam crianças de rua. Caetano mostra que é a síntese poética da utopia nacional.

PS - Outro dia, estava na frente do Museu de História Natural e um mendigo me pediu um dólar. Disse que só tinha de troco uma moeda de 25 centavos. "Só aceito um dólar', ele insistiu. Segurando a moeda, disse-lhe para "pegar ou largar". Ele pegou e, enfurecido, fez referências pouco elogiosas à minha mãe. Uma pessoa que assistia à cena intercedeu a meu favor. "Você pega o dinheiro e ainda sai xingando!". O mendigo encarou o sujeito e ameaçou: "Você não se meta na nossa discussão financeira!'. Reconheço. Depois dessa, ele merecia um dólar.

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