São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 1995
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ONGs latino-americanas protestam na conferência por mais recursos

JAIME SPITZCOVSKY

JAIME SPITZCOVSKY; SUZANA SINGER
DE PEQUIM

SUZANA SINGER
Pela primeira vez, a América Latina marcou presença na Quarta Conferência Mundial da Mulher, que acaba amanhã em Pequim.
Dois protestos promovidos por ONGs (organizações não-governamentais) e a chegada do presidente do Peru, Alberto Fujimori, deram visibilidade ao bloco latino-americano ontem.
O primeiro protesto aconteceu de manhã na plenária da conferência, quando a peruana Virginia Vargas, coordenadora das ONGs da América Latina e Caribe, deveria discursar.
Ela começou afirmando que "aparentemente tudo já foi dito, menos quais os mecanismos para implantar a plataforma".
Em vez de continuar o discurso, Virginia tentou abrir uma faixa que trouxe, com os dizeres "mecanismos de justiça e recursos".
O pano foi retirado pelos seguranças, mas houve muitos aplausos na platéia.
Às 14h, cerca de 200 mulheres de ONGs da América Latina ocuparam as escadas rolantes no hall do centro de convenções e levantaram faixas ("justiça econômica e social", "justiça econômica para a América Latina" etc).
"Estamos aqui para falar de mais recursos, de desenvolvimento e da pobreza", disse Suzana Maranhão, do Centro de Informação da Mulher de São Paulo.
O protesto chamou a atenção de muita gente e levou os seguranças a bloquear o acesso ao segundo andar. As faixas, feitas de papel higiênico, foram confiscadas.
A feminista norte-americana Betty Friedan, 74, tentou subir e foi barrada. Bateu o pé no chão e encarou o guarda: "O senhor está dizendo que eu não tenho o direito de ir e vir"? A confusão durou cerca de meia hora.
O problema dos recursos tem sido pouco discutido na conferência. Temas ligados à sexualidade ofuscaram o que deveria ser o tema do encontro: a pobreza.
Ontem acabou sendo fechado um acordo sobre as verbas. Foram aprovadas as palavras "novos e adicionais" antes de recursos, mas não ficou claro se o dinheiro tem que sair dos países desenvolvidos ou de "esforços" dos próprios países pobres.
A luta por verbas deveria ser a bandeira da América Latina e Caribe, mas até agora os países não conseguiram atuar em bloco -ao contrário da União Européia e dos países islâmicos.
As discussões envolvendo sexualidade dividiram o grupo. Argentina, Guatemala e Equador alinharam-se ao Vaticano e tentaram barrar tudo o que parecesse "libera"l.
Em entrevista ontem, o delegado da Guatemala Julio Martin não conseguiu explicar por que o seu país não seguiu o bloco latino-americano. "Cada delegado tem as suas convicções", disse.
A chegada de Alberto Fujimori deve reforçar a ala "liberal" do grupo latino-americano. Em entrevista ontem, o presidente peruano defendeu o planejamento familiar, citando uma lei aprovada este mês no Peru que coloca a vasectomia e a ligação das trompas como métodos anticoncepcionais.
Ele disse ter enfrentado muita resistência da Igreja Católica por causa da lei. "Por que é preciso ser pobre e sofrer na vida para chegar ao céu? Não é isso que Deus quer", afirmou.
Fujimori disse acreditar que a sua política de planejamento familiar acabará sendo adotada por outros países da América do Sul.
O presidente peruano será o único chefe de Estado homem nessa conferência. "Espero que não seja um encontro exclusivo para mulheres", disse.

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