São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sêneca e FHC

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Quando telefonou, minha secretária desconfiou que havia problema de surdez na linha. Foi com dificuldade que chegaram a um acordo. Ele queria me presentear com um livro que, a esta altura da vida, lhe era inútil. Marcaram um encontro e ontem, antes que o meu expediente ficasse tumultuado, recebi-o em minha sala.
O livro é uma preciosidade: as tragédias de Sêneca, editadas na Holanda em 1728, impressão luxuosa para a época, tipos de madeira, notas de Joahnnis Frederici Gronovi e Gasparus Schroederus (o nome dos editores foi latinizado). A lombada é dourada, de um ouro velho e espesso que não se usa mais.
Recebi o presente constrangido, nada fizera para merecê-lo. O visitante desfazia-se de seus livros. Tudo bem, mas por que me escolhera para receber o exemplar mais precioso de sua coleção?
Não indaguei de sua escolaridade, mas poucas vezes encontrei cabeça mais leve e informada. Militara na clandestinidade do velho Partidão. Ao contrário de outros comunistas, que tentam se explicar e lambem feridas, o meu visitante é um homem feliz e sabe que é e sempre foi feliz.
Para ele, a derrocada do comunismo não foi surpresa nem lhe causou traumas. Tinha de dar errado um regime apoiado na repressão, no ódio, no oportunismo. Mas a luta continuará enquanto a humanidade não encontrar a solução que aproxime um prato de comida a cada boca faminta -coisa que o capitalismo não faz nem o comunismo conseguiu fazer.
Ele não tem pressa. E, espantoso, pinta um retrato favorável de FHC. Diz que o presidente perdeu a confiança nas massas, desiludiu-se de antigos axiomas e resolveu seguir caminho próprio, não elaborado por nenhum teórico.
Um caminho que descarta o catecismo da esquerda e adota uma prática para chegar ao fim pretendido -coisa que o socialismo até agora não fez, amarrado a um laboratório de história que pode levar a erros e até a crimes. Tal como o capitalismo. E mais: diz que FHC é o político mais parecido com Vargas na história do Brail. Não quero crer nem ver.

Texto Anterior: A volta do topete
Próximo Texto: Fim da história
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.