São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 1995
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Em defesa do Fundo Social de Emergência

MAILSON DA NÓBREGA

O Fundo Social de Emergência é um instrumento de redução de gastos. Para os não iniciados nos meandros das contas públicas no Brasil, essa é uma afirmação sem sentido. Mas isso ocorre porque o FSE alivia a rigidez orçamentária.
Depois da Constituição de 1988, mais de 90% da arrecadação do governo federal vai compulsoriamente para apenas três grupos de despesas: transferências obrigatórias a Estados e municípios, folha de pessoal e vinculações de receitas a gastos.
O restante deveria cobrir as despesas correntes (água, luz, telefone, conservação, viagens), as típicas de governo (Poderes Legislativo e Judiciário, Forças Armadas, administração tributária, diplomacia etc.) e as relativas à política agrícola, à pesquisa (a educação beneficia-se das vinculações), aos investimentos públicos. É fácil ver que não dá.
Para piorar, a saúde ficou para trás na corrida para "resgatar a dívida socia"l. Houve forte ampliação dos gastos previdenciários. Como a Previdência Social financiava a saúde, esta acabou cedendo espaço para aposentados e pensionistas. Justo para estes, ruim para a saúde e o Tesouro.
A compressão dos gastos para acomodar a nova situação tem limites. Mesmo que a União quisesse viver dessas sobras, seria impossível. Há despesas inevitáveis. Em algum momento, as receitas seriam insuficientes.
Como se explica o equilíbrio ou superávit orçamentário dos últimos anos? Até o Plano Real, a inflação resolvia o mistério. Liberando recursos a conta-gotas e adiando despesas por alguns meses, o governo corroía as despesas. Enquanto isso, as receitas eram protegidas pela indexação.
Os valores reais do Orçamento se ajustavam às disponibilidades de caixa. Era terrível. O estratagema produzia disfunções. O potencial de corrupção aumentava. Erros de análise abundavam, como os daqueles que sentenciavam a conclusão do ajuste fiscal.
Com a estabilidade, a mágica acabou. Daí a necessidade do FSE. Sua função é exatamente a de ajustar as despesas aos objetivos da política fiscal. Só que de forma transparente. Os programas sociais se livram da tremenda imprevisibilidade do sistema anterior.
Aqui o fundo é mesmo social. Ajuda a acabar com a inflação e seus perversos efeitos na distribuição da renda. O objetivo não é ampliar gastos sociais, mas assegurar o financiamento dos respectivos programas sem a necessidade de produzir um déficit orçamentário. Com o FSE, os gastos inevitáveis estarão cobertos. Sem ele, a despesa total terminaria superando a receita.
O FSE não retira recursos dos governos subnacionais, que apenas continuariam sem participar de um pequeno acréscimo da arrecadação do Imposto de Renda. Na proposta de sua instituição, em 94, previa-se retenção de 15% dos fundos de participação dos Estados e municípios, que o Congresso rejeitou.
O FSE é basicamente, portanto, um remanejamento de recursos dentro do Orçamento da União. Recebe 20% das receitas vinculadas, permitindo atender áreas prioritárias, incluídas as despesas de funcionamento do governo e, portanto, as recepções justificadas.
É preciso, todavia, mais cuidado na utilização dos seus recursos. Embora eles possam ser aplicados em qualquer despesa autorizada no Orçamento, interpreta-se que o fundo serve para aumentar os gastos sociais. O governo não pode brindar seus críticos com o exemplo da compra de goiabada cascão.
Estranha-se, ainda, uma emergência de seis anos. Na verdade, estamos nela desde a crise fiscal dos anos 70 e em máxima emergência após 1988. Ficaremos assim até que se completem as reformas, que, como temos visto, são tarefa para mais de um governo.
A proposta em tramitação no Congresso é crucial para preservar o Plano Real. Pode-se discutir se a extensão se dará por um ou mais anos ou inserir restrições ao uso dos recursos. Negar a reinstituição seria apostar na volta da inflação.

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