São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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'O demônio segura a carteira'

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois do sermão e de chamar as pessoas à frente, o pastor pede que todos ponham a mão no coração e fechem os olhos. "Deixe Jesus tocar você", diz -marcando o início da espiral de sons e palavras que vai conduzir ao transe.
Com voz chorosa, fala ininterruptamente, pedindo para Cristo ter pena das pessoas. O tecladista passeia lentamente pelas notas agudas do instrumento. "Deixe a lágrima sair", diz o pastor.
As pessoas começam a dizer para si mesmas "Jesus te salve" e outras frases do pastor. Nesse momento, os obreiros começam a circular pelos corredores, cuidando para que ninguém abra os olhos. As vozes vão se multiplicando e os braços são erguidos.
Começa então a cantoria, ainda de olhos fechados. Os obreiros puxam o coro. O ritmo é popularesco; as canções poderiam estar na voz de um Jerry Adriani e tocar nas rádios comerciais de FM: "Se estou aqui/ É porque me arrependi/ Perdoa-me, perdoa-me".
Às sextas-feiras, nesse momento, o culto dá lugar ao exorcismo. "Chegou a hora do demônio", grita o pastor, seguido pela massa. "Vem, Jesus! Queima os exus, os orixás, queima os demônios da prostituição, do adultério, da cachaça, da maconha!"
A música fica cada vez mais alta. Então, em coro, todos gritam "Sai! Sai! Sai!" -um uníssono de 3.000 vozes. Os pastores colocam as mãos sobre a cabeça de dezenas de pessoas, sussurrando frases contínuas, "Misericórdia, meu pai, recebe teu filho, meu pai".
Na fileira à frente, uma mulher de repente se dobra. Os braços vão para trás, as mãos retorcidas em gancho. Ela grunhe. Cinco ou seis obreiros a cercam e seguram.
Por cerca de cinco minutos os "possuídos" se contorcem e a igreja grita, até que o pastor declara o diabo vencido. Segue-se uma salva de palmas. A mulher se levanta e sorri, como que aliviada.
Quando se abrem os olhos, vê-se que o pastor já segura uma sacola na mão esquerda.
As pessoas voltam para suas poltronas. Primeiro, o pastor pede R$ 500. Ninguém dá. Depois, R$ 200. Idem. Pede R$ 100 e três pessoas para a contribuição. Consegue. "Se você não paga a Deus, paga ao diabo", diz ele.
R$ 50, mais três pessoas. Para R$ 10, o pastor pede 33 pessoas "porque foi com 33 anos que Jesus morreu". Como motivação, diz: "Sei que nessa hora tem uma guerra dentro da gente: Deus quer dar, mas o diabo fica segurando a carteira. Vem agora, vem! Você pode morrer amanhã!"
O repórter da Folha vai até lá. O dinheiro é posto na sacolinha de veludo vermelho, segurada por um obreiro. Outro carrega uma bacia de plástico com água perfumada, onde se lava a mão em seguida.
O pastor aproveita o entusiasmo geral e imediatamente pede R$ 5. Quase toda a platéia levanta. A arrecadação passa dos R$ 10 mil. "Jesus é o salvador", diz o pastor. "Agora vocês podem ir para casa. Amém?"
(DP)

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