São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Agências multilaterais divergem sobre crise

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Afinal, quais as lições que se pode aprender com a crise do México? A julgar pelo posicionamento das principais agências multilaterais, o debate mal começou e estamos longe do consenso.
Há alguns dias o FMI deu à luz uma aproximação mais ortodoxa ao assunto: a culpa é do México ou, mais especificamente, de investidores mexicanos mesmo. Eles é que tiraram seu dinheiro do país quando perceberam que o regime cambial tornara-se insustentável. Dessa perspectiva, o FMI atuou no episódio como um antídoto, evitando o contágio das outras economias da região ou mesmo do mundo todo pelo "efeito tequila".
Essa é a visão, por exemplo, de Stanley Fischer, vice-diretor do fundo. Ele defende um acesso maior do órgão às entranhas das economias em desenvolvimento.
No seu último relatório, o FMI torna públicas as negociações com governos, informação que tradicionalmente limitava-se à penumbra dos bastidores acarpetados.
Esta é a visão ortodoxa (um pouco na linha de que os pobres são culpados pela própria indigência). Para não repetir a reação das esquerdas latinas, vale a pena ouvir um observador insuspeito do capitalismo contemporâneo.
Seu nome é Malcolm Forbes Jr., editor-chefe e filho do fundador da revista "Forbes", uma espécie de "Vogue" da elite empresarial global.
Forbes Jr. torpedeia sem dó a política de Washington para enfrentar a crise mexicana. "Crise" quem, na sua opinião, foi desenhada no coração do governo americano.
Tradução de sua coluna de 11 de setembro último: "Nosso Tesouro forçava o México a desvalorizar o peso e o novo presidente que assumiu em dezembro fez exatamente isso. O crime da desvalorização foi agravado por elevações de impostos." É apenas a opinião de Forbes, mas não é todo dia que um "wasp" ("white anglo-saxon protestant") denuncia o Tesouro americano por uma política que, para a opinião pública mundial, tinha origem na incúria de um cucaracho.
Enfim, os mexicanos talvez não possam ser totalmente "culpados" pela crise. Para a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), a crise mexicana nada mais é que um reflexo da falta de entendimento sobre como são formadas as bolhas especulativas ou de como os investidores às vezes assumem riscos enormes na esperança de ganhos rápidos e inusitados.
O relatório da Unctad sublinha dois tipos de ganhos desse tipo: privatizações e âncoras cambiais.
São oportunidades únicas, momentos especiais que depois não se repetem. Podem atrair muito capital, muito rapidamente, mas podem também ser um fiasco como gatilhos de investimentos contínuos, sustentados e comprometidos com o longo prazo.
Mas a avaliação da Unctad, se num primeiro momento parece jogar a responsabilidade da crise nos fluxos especulativos que buscam oportunidades únicas de ganhos extraordinários, reserva aos cucarachos uma parcela importante de (ir)responsabilidade.
As elites latinas perderam-se na orgia consumista sem conseguir aumentar a poupança doméstica, embaladas pelo "boom" de capitais externos. O contraponto, outra vez, são os asiáticos, que aprenderam a fazer capital em casa.

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