São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Roberto Carlos vira a 'batata atômica'

HUMBERTO SACCOMANDI
DA REPORTAGEM LOCAL

O lateral brasileiro Roberto Carlos já ganhou um apelido inusitado na Itália. Ao deixar o Palmeiras pela Internazionale (de Milão), ele virou a "batata atômica".
A expressão tem origem num imbróglio linguístico, com palavras em português e italiano.
Numa de suas primeiras entrevistas na Itália, Roberto Carlos disse que era conhecido no Brasil por sua "patada atômica", numa referência à potência do seu chute de perna esquerda.
Os jornalistas italianos disseram que a palavra patada se parecia com "patata", que, em italiano, significa batata.
"Tudo bem, pode ser batata atômica mesmo", brincou Roberto Carlos.
Desde então, a expressão "batata atômica" vem aparecendo regularmente na imprensa italiana.
O jogador disse não se incomodar com essa associação com um tubérculo radiativo.
Segundo ele, é mais fácil dizer "patata" que "zampata" (pronuncia-se dzampata), que significa patada em italiano.
Se, com o idioma italiano, Roberto Carlos ainda provoca muita confusão, em campo ele já está totalmente desinibido.
A Inter fez quatro jogos oficiais neste início de temporada na Europa. Vitória sobre o Vicenza (1 a 0) e derrota para o Parma (2 a 1), pelo Italiano; vitória sobre o Venezia (1 a 0), pela Copa da Itália; e empate (1 a 1) com o Lugano (Suíça), pela Copa da Uefa.
Foram quatro gols marcados até agora. Todos por Roberto Carlos. Três deles em chutes de fora da área (dois em cobrança de falta), o que popularizou a batata atômica.
Segundo a imprensa italiana, o brasileiro está carregando nas costas o time dirigido por Ottavio Bianchi. O jogador concorda.
"No Palmeiras, eu era mais um. Aqui sou o principal jogador do time", disse Roberto Carlos em entrevista à Folha, por telefone, do hotel onde está morando, na cidade de Como (norte de Milão).
Ele afirma que, apesar da falta de organização administrativa, o futebol brasileiro é superior ao italiano. E que o seu Palmeiras era melhor que a atual Internazionale.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista com o jogador mais caro da história do futebol brasileiro (sua transferência envolveu cerca de US$ 8 milhões).

Folha - Você já está falando um pouco de italiano?
Roberto Carlos - Nada. Entendo alguma coisa, mas ainda não falo nada. Só digo "buongiorno" (bom dia). Com os meus colegas de time, me comunico por gestos. Faço sinais para me passarem a bola no chão, rasteira, para acertar algum posicionamento ou para virar a jogada, "cambiar" a jogada.
Folha - Tem alguma palavra italiana que chamou a sua atenção?
Roberto Carlos - "Prego" (que equivale à expressão "de nada", em português). É engraçado alguém falar "obrigado" e você responder um "prego".
Folha - A Itália é como você imaginava?
Roberto Carlos - Mais ou menos. Eu estou morando em Como. Está tudo gostoso, a cidade é bonita e tranquila. Milão é sensacional. Eu não estou encontrando dificuldades. E, quando está tudo bem fora de campo, dentro de campo fica melhor ainda.
Folha - O que mais chamou a sua atenção na Itália?
Roberto Carlos - O respeito com que estão me tratando. Está sendo uma coisa importantíssima para mim. Impressiona. Hoje eu sou dos jogadores mais cotados dentro do futebol italiano.
Na minha estréia, por exemplo, contra o Vicenza, quando eu estava saindo de campo, o estádio inteiro se levantou e me aplaudiu.
Folha - Qual a sua comida preferida na Itália?
Roberto Carlos - "Spaghetti al pomodoro" (espaguete com molho de tomate). Como de manhã, à tarde e à noite. Mas eu ainda prefiro o espaguete da minha mãe.
Folha - Qual a principal diferença entre o futebol brasileiro e o italiano?
Roberto Carlos - O futebol brasileiro é jogado com a bola no chão, é um futebol de habilidade com a bola nos pés. O italiano é um futebol aéreo, sem muita habilidade, mas com muita força. Eles adoram bola aérea.
Folha - Isso é bom para você?
Roberto Carlos - Que nada. Para mim, é pior. Eu gosto de jogar com a bola no chão, tocar a bola.
Folha - Mas isso permite a você fazer lançamentos?
Roberto Carlos - Sim, mas eu gosto de lançar no pé do jogador, não em profundidade, para ele sair correndo. Eu gosto de colocar a bola no pé do centroavante, para ele dominar e ir para o gol. Aqui, eles preferem ficar de costas para o gol, receber a bola nas costas para girar e sair correndo.
Folha - Você está jogando mais livre na Inter?
Roberto Carlos - Sim, eu jogo solto, sem obrigatoriedade de voltar para ajudar na marcação. No Palmeiras, eu dava piques de 100 m para voltar do ataque para a defesa. Aqui, eu corro no máximo uns 50 m. Tem um jogador que fica na minha cobertura e mais o líbero. Meu esforço diminui 50%.
No último jogo, contra o Lugano (da Suíça, pela Copa da Uefa), o time deles mudou o esquema tático e colocou um jogador para me marcar. Acho que isso mostra que estou sendo um jogador perigoso nessa função.
Folha - Qual a principal diferença entre os campeonatos, do Italiano para o Paulista ou Brasileiro?
Roberto Carlos - Aqui se joga só no sábado e no domingo e tudo é muito organizado. Não há alterações de tabela, jogos intercalados. Isso facilita muito a preparação das equipes.
Folha - Você já está indo aos jogos de terno e gravata?
Roberto Carlos - Não, vou de camisa normal. Aqui, o pessoal te deixa muito à vontade. Alguns jogadores saem de terno e gravata, mas não é necessário. Após o jogo, damos uma entrevista coletiva. Os jornalistas não podem entrar no vestiário enquanto estamos tomando banho, como no Brasil.
Folha - E a diferença entre a Inter e o Palmeiras?
Roberto Carlos - Para mim, no Palmeiras eu era mais um, um entre vários jogadores de nível de seleção brasileira. Aqui, eu sou o principal jogador do time, o que está decidindo os jogos. As cobranças vêm em cima de mim.
Folha - Você acha, então, que o seu Palmeiras bateria a sua Inter facilmente?
Roberto Carlos - Sim, sem dúvida. Os times italianos, em geral, não têm o mesmo nível dos brasileiros. Os grandes clubes brasileiros são muito fortes. Dentro de campo, o futebol brasileiro é bem mais organizado que o italiano. Tem mais habilidade, velocidade no momento certo e inteligência. Aqui, os caras abaixam a cabeça e saem correndo.
Folha - É mais duro jogar no Brasil ou na Itália?
Roberto Carlos - Para mim, estava mais duro aí no Brasil.
Folha - Você disse que está sendo muito respeitado. Não se sentiu discriminado em nenhum momento?
Roberto Carlos - Não, absolutamente. O que acontece é um pouco de inveja dos colegas de time. Eu percebo que alguns jogadores olham de maneira diferente para mim, pelo fato de eu estar fazendo os gols, decidindo as partidas. Eu saio todo dia nos jornais e na TV. E o jogador italiano dá muita importância para isso. De repente, chega um estrangeiro e toma o lugar dele. Isso incomoda um pouco.
Folha - Qual é o problema da Inter?
Roberto Carlos - O time é muito jovem, está começando o trabalho agora. Temos que ter paciência. É uma equipe recém-formada. Claro que tem problemas de entrosamento.
Quase todos os jogadores têm idade abaixo de 25 anos. A maioria tem 22, 23 ou 24 anos.
Folha - Mas essa média não é muito maior que a do Palmeiras na época em que você entrou. E aquele Palmeiras vencia.
Roberto Carlos - É, mas eram jogadores experientes, que já tinham vestido a camisa da seleção brasileira, como o Antônio Carlos, o Cléber, o César Sampaio, o Zinho, o Edílson.
Aqui, não. São jogadores que não vestiram a camisa da seleção italiana, que não tiveram a oportunidade de disputar títulos e jogos importantes.
No Brasil, os jogadores chegam muito jovens à seleção, pois os mais experientes jogam no exterior e nem sempre são convocados. Isso dá uma experiência muito grande. Aqui, não. Por muitos anos, joga apenas um grupo reduzido de jogadores.

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