São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 1995
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Programa antitrauma ajuda teens na Bósnia

RICARDO SETYON
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DA BÓSNIA

Sarajevo, Bihac, Banja Luka, Mostar, Goradze, Tuzla, Zepa e Srebrenica, na Bósnia. Dubrovnik, na Croácia.
Há quatro anos essas cidades são bombardeadas, queimadas e saqueadas na guerra entre sérvios, muçulmanos e croatas, que lutam pelo controle da região (veja quadro abaixo).
Os jovens de lá não poderiam ser parecidos com os de outros países. Têm pesadelos. Urinam na cama, vivem estados de regressão (adotam atitudes compatíveis às de uma criança), vivenciam flashbacks (lembram continuamente de cenas graves e marcantes), são mal nutridos, tristes e melancólicos. E acham que a vida não vale nada.
Sofrem do que se chama de PTSD. Em inglês, "post traumatic stress disorder", ou desordem profunda pós-trauma.
É o nome que psicólogos especialmente designados pela ONU (Organização das Nações Unidas) deram ao problema.
Eles foram contratados para cuidar exclusivamente dos jovens, hoje cerca de 10.000, que fazem parte desse grupo.
O PTSD é um conjunto de reações psicológicas e físicas graves, que acontecem especialmente com adolescentes, quando expostos a situações de perigo contínuo.
"É estar em uma guerra e não poder fazer nada. Nem mesmo poder fugir. Só ficar ali, sofrendo em silêncio, tentando não morrer, diz Erna Ribar, da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância e Juventude), em Sarajevo.
O projeto contra o PSTD, começou na ONU no final de 92. O trabalho é o único do gênero no mundo. Psicólogos de todos os países desembarcaram na região para treinar os professores a combaterem a síndrome.
"O primeiro passo era trabalhar rápido. Para isso, usamos todas as escolas semidestruídas e fora de uso, diz Ribar.
O tratamento inclui sessões de desenho, pintura, redação e criação de jogos. Os resultados têm sido satisfatórios. Tanto que, desde o ano passado, o programa foi introduzido no sistema educacional oficial da Croácia e da Bósnia.
Se a guerra acabasse amanhã, o programa de combate ao PTSD continuaria por pelo menos mais uma década. É o tempo estimado pelos psicólogos para ajudar os adolescentes a superar o trauma.
Segundo ele, "a terapia com arte é importante porque é nesse campo que encontramos a comunicação mais neutra possível. Os jovens, com seus desenhos, expressam seus medos e experiências.
Só em Sarajevo, até julho passado, já havia mais de 1.500 jovens (menores de 18) mortos em bombardeios e tiroteios. Outro número impressionante: mais de 14 mil jovens foram feridos. E nenhum deles era do exército.
Segundo informações da ONU, mais de 50.000 jovens foram expostos nos últimos anos a atos de extrema violência.
Isso sem contar os que vivem em condições de guerra. Fome, frio e medo durante invernos de vários graus abaixo de zero.
"Às vezes é impossível não se emocionar", diz Ribar. Ele conta o caso de um jovem de 16 anos, em Tuzla, que viu o pai e a mãe serem assassinados. "Ele parecia estar bem, normal. Mas, claro, estava sempre em depressão. Todos os médicos disseram que ele não tinha problemas mais graves. Graças ao PTSD, ele colocava nos seus desenhos o que sentia. Eram os únicos momentos em que ele falava, se interessava sobre coisas, e até sorria, às vezes."
Outro especialista e coordenador do programa é Ryan Grist. Grist trabalhou nos lugares mais devastados da Bósnia, exclusivamente com jovens de 14 a 18 anos. É um dos mais conceituados especialistas em traumas de guerra.
"Já trabalhamos muito com jovens no fronte de guerra no Oriente Médio. Nunca havíamos feito isso antes. Lá, entendemos a gravidade destes traumas. Aprendemos que os adolescentes são os que mais precisam de ajuda e os que menos pedem.

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