São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 1995
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Mais dinheiro para a saúde?

ROBERTO SANTOS

Os indicadores de saúde têm posição relevante no grave quadro de desigualdades sociais que comprometem, de forma constrangedora, a qualidade de vida da população brasileira.
Para que melhorem esses indicadores mais rapidamente, compatibilizando-os com o desenvolvimento econômico alcançado pelo Brasil nas últimas décadas, cumpre dirigir especial atenção aos cuidados primários com a saúde. Tem sido da tradição brasileira valorizar e financiar, prioritariamente, os serviços de maior complexidade e especialização (níveis secundário e terciário).
No entanto, a grande maioria dos problemas relativos à saúde pode ser resolvida nas unidades equipadas com instrumental muito simples e situadas na vizinhança de onde vive o cidadão com sua família. Caracteriza-se, assim, a rede primária por estar preparada para o atendimento inicial, direto e imediato aos que carecem de cuidados.
Em sua maioria são situações que se resolvem com correção técnico-profissional, sem necessitar pessoal de alta especialização nem equipamentos dispendiosos. Além de atender às pessoas que procuram os serviços por sua própria iniciativa, as equipes da rede primária são treinadas para conhecer, casa a casa, a população a que servem, orientando as famílias quanto aos cuidados sanitários e encaminhando para consultas os que delas necessitarem.
Esse modelo não se aplica apenas às populações pobres. Também países do Primeiro Mundo tiram dele o melhor proveito.
Ocorre, entre nós, que a rede primária vem sendo menosprezada e subfinanciada, o que, em muitos casos, ocasionou o seu descrédito. Criou-se o (mau) hábito, entre os pacientes, de procurar hospitais das redes secundária e terciária diante de problemas que seriam muito melhor resolvidos na rede primária, despida de burocracia. A escolha inadequada do local para a consulta inicial gera grandes desperdícios pelo tempo perdido com transporte e exames supérfluos, com despesas desnecessárias e demora na solução.
Dentro da estrutura do Ministério da Saúde, o Programa de Ações Comunitárias de Saúde exerce atividades em apenas 900 dos 5.000 municípios do país. Bastariam esses números para identificar a principal falha da organização da saúde no Brasil. O sistema federativo tem dificultado a disseminação desses programas com a necessária abrangência. Salários dignos para o pessoal com diferentes graus de escolaridade continua sendo fator essencial ao bom desempenho da equipe.
Para alcançar a eficácia desejada, devem esses programas instalar-se num plano de regionalização, com a implantação dos "distritos de saúde". O delineamento do grupo populacional, a que estará vinculada cada unidade, permite o levantamento de informações sobre a demografia e a morbi-mortalidade dos usuários e sobre os serviços disponíveis no "distrito".
Chega-se, assim, à adequação entre a demanda e a oferta dos serviços, assim como ao planejamento de eventuais modificações da rede, assegurando-se qualidade a custos mais baixos.
Mostra a experiência internacional que a gestão da rede primária produz melhores resultados quando a cargo do "poder local", adequadamente financiado e bem orientado do ponto de vista técnico. As lideranças comunitárias terão de familiarizar-se com as idéias fundamentais, acreditar nelas e lutar pela sua implantação. Onde o poder local é frágil e os núcleos de decisão ficam à distância, na capital do Estado ou na área federal, a prevenção é falha, aumenta a proporção de doenças e as mortes são mais precoces.
Não procede a alegação de que os desmandos financeiros cresçam na gestão descentralizada comparados com os que vêm ocorrendo na tradição centralizadora. Nessa última, os desperdícios não chegam a ser totalmente identificados, e os usuários não têm nem sequer a quem reclamar, porque os núcleos de decisão ficam distantes.
Cabe ao poder público mostrar, em termos práticos e didáticos, o alto grau de prioridade atribuída à atenção primária. Os responsáveis pelos outros níveis de atendimento sabem movimentar-se atrás de recursos e, para isso, dispõem de suficiente penetração social. A rede primária é que costuma não ter tantos padrinhos quantos necessita.
A Constituição de 1988 teve o mérito de acabar com a duplicidade de comando que existiu durante décadas entre as atividades de prevenção -a cargo do Ministério da Saúde- e a ação médico-hospitalar, de caráter curativo -gerida pelo Ministério da Previdência.
Constituiu essa duplicidade uma das mais importantes causas históricas da falência dos nossos serviços de saúde. A unificação do comando, no Ministério da Saúde, ensejou a grande ocasião para a melhoria da qualidade. Os preceitos constitucionais foram distorcidos na sua aplicação, o que terá de corrigir-se a curto prazo. Ainda que, para isso, seja necessário contrariar interesses, os mesmos que vêm retardando a melhoria dos nossos indicadores de saúde.
Comparando o que o Brasil gasta, em média, com a saúde de cada cidadão com o que gastam outros países, vê-se que o nosso Produto Interno Bruto deveria assegurar orçamentos mais vultosos para o setor. Por isso, sou favorável aos esforços que vem desenvolvendo o ministro Adib Jatene, ao buscar novas fontes de financiamento para o setor. Do "dinheiro novo", maiores quantias haverão de ser destinadas à rede básica.

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