São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 1995
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Sacando contra o futuro

LUÍS NASSIF

Em 1985, o governo federal decidiu reajustar as prestações do Sistema Financeiro da Habitação por 50% da correção monetária. Um dirigente do setor procurou um dos ministros do governo, alertando que a decisão iria explodir o sistema. "Quando explode?", indagou o ministro. "Por volta de 93 ou 94", respondeu o dirigente. "Então, não será problema nosso", foi a resposta.
Essa prática marcou a vida administrativa nacional nos últimos 20 anos. As AROs (Antecipações de Receita Orçamentária) do governo Quércia, a negociação da dívida de São Paulo com a União, feita entre o ex-ministro Marcílio Marques Moreira e o ex-governador Fleury, os aumentos de salários propostos por Itamar e Fleury, ao final de governo.
Esse estilo de sacar contra o futuro levou ao descrédito completo das administrações públicas em passado recente. De certo modo, Fernando Collor e, agora, Fernando Henrique Cardoso foram eleitos porque acenavam com a ruptura desse estilo de governar. Propunham soluções definitivas, ainda que doloridas, para essa infindável novela nacional.
Reedição
Mas o que ocorre neste momento com a política econômica é a reedição desse estilo. E nem se culpe o ministro Pedro Malan por isso. Essa política econômica é decisão de governo, que obedece exclusivamente a uma lógica política.
O governo tem duas fragilidades. Uma operacional, que fica patente no imobilismo da Fazenda -e aí é culpa direta de Malan- e na incapacidade dos ministérios econômicos como um todo de articular minimamente o conjunto de reformas do "custo Brasil".
Agilidade operacional seria a contrapartida para o clima de recessão no qual jogaram a economia.
A primeira fraqueza -falta de pique operacional- condiciona a segunda: falta de base parlamentar sólida. Sem um partido majoritário que lhe dê sustentação e sem a intenção (felizmente) de ceder a práticas populistas, a sustentação política passa a depender da capacidade do governo de criar fatos novos e passar a sensação de que o país está em construção.
A falta de estrutura operacional impede essa prática virtuosa. A alternativa encontrada é esconder-se debaixo da armadura dessa política escorchante de juros.
Quem está de fora analisa os fatores macroeconômicos e não vê lógica nenhuma nesse supersacrifício imposto ao país. Mas, no governo, pensa-se apenas no fator político. A lógica é que uma política violenta de arrocho torna o governo forte e quebra as resistências do setor privado.
Adota-se a política de segurança máxima -portanto, de sacrifícios máximos- para a inflação, guiando-se pelo modelo Menem, que manteve popularidade mesmo levando a Argentina à bancarrota.
Nos próximos anos, em vez de soluções definitivas, o país vai ter que se haver com dívidas públicas inadministráveis, mesmo recorrendo a privatizações maciças, com concentração de renda no campo e nas cidades, com a desestruturação das pequenas empresas e com o aumento do desemprego.
O mesmo filme de antes.
Trabalho de casa
Em vez de tachar os críticos de "coveiros do real", o ministro Malan deveria parar com o processo de transferência de responsabilidades e apresentar solução definitiva para a questão das dívidas estaduais. Não tem cabimento deixar questão dessa envergadura pendente, enquanto se espera aumentarem pressões por parte do Senado, que podem resultar em mais paliativos. Administrar a economia é mais do que apertar o botãozinho do câmbio e dos juros.
Sebrae
Para acabar com a contribuição compulsória para o Sebrae, pode-se destruir uma estrutura que tem trazido importantes contribuições para a formação de uma nova geração de empreendedores.
Cabe aos conselhos federal e estaduais do Sebrae tomar atitudes urgentes para demitir os responsáveis por essa politização vergonhosa do órgão. E aos críticos a responsabilidade de não colocar a perder o que foi feito até hoje.
Deve-se acabar com a contribuição obrigatória, sim, mas sem sacrificar o órgão.

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