São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 1995
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Murdoch recomenda mais notícias locais

ANTONIO CARLOS SEIDL; FERNANDO RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

O australiano naturalizado norte-americano Rupert Murdoch, 64, apresenta a seguinte receita para que um jornal dê certo:
"Fique próximo dos seus leitores (...). Embora você deva ter uma seção de notícias nacionais mais forte do que os outros, uma seção internacional melhor que a da concorrência, o que segura o jornal são as notícias locais. É isso que toca a vida das pessoas."
Um dos maiores proprietários de empresas de comunicação no planeta, Murdoch comanda 123 jornais. Sua empresa, a News Corporation, tem participação em 12 TVs nos EUA. Seu último balanço anual registra um faturamento bruto de US$ 8,9 bilhões.
Em sua primeira visita a um país da América do Sul, Murdoch veio ao Brasil por causa do acordo que firmou recentemente com a TV Globo -para fornecer programas de TV transmitidos por satélite diretamente ao usuário final.
Junto com a Globo, vai colocar US$ 500 milhões nesse novo investimento.
Ontem, Murdoch negou que tenha outros interesses no Brasil. Falou à Folha sobre sua empresa e disse como imagina o futuro dos jornais impressos. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - Os jornais impressos vão sobreviver no próximo século apenas como mídia impressa ou têm necessariamente que se associar a outras empresas de comunicação eletrônica?
Rupert Murdoch - Absolutamente, vão sobreviver como mídia impressa. Talvez, em uns 50 anos os jornais chegarão às casas das pessoas de outra forma que não seja da forma impressa, mas eu não vejo isso para já. Os jornais, como no passado, terão que se adaptar, fazer reportagens escritas de forma diferente. A mídia eletrônica, a televisão, matou muito mais o rádio do que a mídia impressa.
Folha - Como o sr. explica o sucesso dos seus jornais populares, os tablóides como o "The Sun" e o "News of the World"?
Murdoch - Alguns deles são muito, muito, bons jornais. As notícias são bem condensadas. E estão melhorando, ficando mais cheios de notícias conforme vai aumentando o nível de escolaridade da população. Mas esses jornais não têm medo de dar entretenimento. Não têm medo de publicar com destaque uma notícia sobre o vigésimo marido da Elizabeth Taylor ou algo parecido.
Folha - O sr. considera que o público quer esse tipo de notícia e por isso a publica...
Murdoch - Sim, mas se há notícias importantes os tablóides fazem uma cobertura muito, muito, boa. Mas se não se tem muita notícia -só mais um dia na Bósnia-, o "Times" vai escrever sobre isso. Já os tablóides vão talvez escrever sobre uma estrela de cinema ou um jogo de futebol.
Folha - O sr. associou-se às Organizações Globo no Brasil e vai enfrentar grande competição no mercado de TV paga. O Grupo Abril está nesse setor também. Como será essa disputa?
Murdoch - A televisão mexicana, a Televisa, tem planos para transmitir com satélite (também para o Brasil).
Folha - O mercado é grande o suficiente para três empresas nessa área de TV por satélite?
Murdoch - Eu não acho que seja grande o suficiente para três. Mas nós iremos ver. Alguns se darão melhor que os outros. Nós estamos trazendo para este mercado mais experiência em transmissão direta por satélite do que qualquer outra empresa no mundo. Nós chamamos isso de "broadcasting". Na realidade, deveria ser "narrowcasting" -porque é como se fosse a TV a cabo, com canais especiais, atendendo a interesses especiais dos consumidores.
Folha - No momento, a TV Globo já oferece TV a cabo no Brasil. O sr. participa de um empreendimento que tornará disponível a TV direta por satélite, que usa outra tecnologia. Essas empresas vão competir entre si ou serão complementares?
Murdoch - Serão complementares. Posso antecipar que todos os nossos programas na TV direta por satélite também estarão disponíveis na TV a cabo. As pessoas terão a opção de assinar a TV a cabo ou de comprar a pequena antena parabólica. Cobriremos, assim, o país inteiro.
Folha - Qual é a estimativa que se faz para o preço que o consumidor brasileiro pagará para ter, em casa, TV captada direta por satélite?
Murdoch - Para quem quiser todas opções, a mensalidade ficará entre US$ 30 e US$ 35. Depois, paga-se para assistir programas especiais transmitidos apenas para a casa do assinante que assim desejar. Cerca de US$ 5 ou US$ 6 por filme -mais ou menos o custo da locação de um filme.
Folha - A imprensa no Brasil publicou vários números sobre os investimentos do sr. com a TV Globo para para montar a empresa de TV com transmissão direta por satélite. Quanto, exatamente, será investido?
Murdoch - Nós esperávamos um número menor. Mas deve ficar em torno de US$ 500 milhões, desde o início da empresa até o dia que comece a dar lucro. A cifra vale para toda a América do Sul.
Folha - Os equipamentos de recepção serão fabricados localmente, no Brasil?
Murdoch - Sim. As pequenas antenas parabólicas são facilmente produzidas. O mais difícil é fabricar o box receptor (decodificador que transforma o sinal do satélite em imagem para a TV do assinante). A Gradiente é uma empresa que será fabricante do equipamento. O problema são os chips, os circuitos integrados, que vão dentro do box. Eu imagino que muito disso terá de ser importado. Eu não sei se vocês fabricam chips aqui. O Brasil tem uma grande indústria de chips?
Folha - Não, não tem.
Murdoch - Vocês tem que ter uma. É muito importante para todas as economias.
Folha - Quanto custará, para o consumidor brasileiro, uma antena parabólica e um box receptor para assinar o serviço?
Murdoch - Nós não sabemos ainda. Nos EUA, incluindo a compra e a instalação do equipamento para receber TV direta por satélite em casa fica em torno de US$ 1.000. Nós temos que conseguir que esse preço seja muito menor aqui. Já é alto nos EUA. Agora estão começando a fazer "leasing" dos equipamentos. Vendem o serviço por US$ 1,00 por dia. Outra maneira de fazer isso é por meio do operador de cabo. Cobra-se US$ 100 ou US$ 200 pela instalação e mais um pouquinho por mês. Quando a pessoa pára de assinar, retiramos o box receptor de sua casa. Não a antena parabólica, porque daria muito trabalho ir na casa do assinante para retirá-la.
Folha - O sr. associou-se recentemente à MCI, empresa de telecomunicações dos EUA. O sr. considera fazer algum tipo de investimento na área no Brasil?
Murdoch - Não. Pelo que eu ouço, seria realmente um bom negócio. Mas, não. Nós não estamos interessados.
Folha - E investimentos em jornais?
Murdoch - Só invisto naqueles que eu consiga ler. E eu só falo inglês. Então...
Folha - Isso significa que o sr. está aprendendo português?
Murdoch - (risos)Não. Estou muito velho.
Folha - Qual a sua impressão da imprensa brasileira, pelo que seus assessores lhe relatam?
Murdoch - É muito interessante que todos sejam tão grandes e estejam tão bem. Já nos Estados Unidos, os grandes jornais estão em dificuldades. Lá, os pequenos é que vão bem. É o inverso aqui. Talvez isso ocorra porque o Brasil tenha melhorado o nível de alfabetização e também o padrão de vida. E o país talvez esteja em um estágio diferente dos EUA.
Folha - O que o sr. recomendaria para que um jornal tenha sucesso?
Murdoch - Fique próximo dos seus leitores. Veja quais são os hábitos dos leitores. Os seus interesses. Embora você deva ter uma seção de notícias nacionais mais forte do que os outros, uma seção internacional melhor que a da concorrência, o que segura o jornal são as notícias locais. É isso que toca a vida das pessoas.

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