São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 1995
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Fubini vê música voltar à normalidade

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O musicólogo italiano Enrico Fubini, 60, é um dos poucos a se ocupar daquilo que os iluministas chamaram de estética musical. Talvez por isso mesmo a defenda com tanta eloquência.
Com doze livros publicados e a vida devotada ao tema, esse professor da Universidade de Turim ministrou na última semana um curso de extensão universitária no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
Ele está no Brasil a convite do Instituto Italiano de Cultura. Faz palestra hoje no Congresso Nacional de Cursos de Pós-Graduação em Música, que acontece em João Pessoa, Paraíba, sobre a incompatibilidade entre a linguagem musical e a linguagem sobre a música. Fubini cultiva um campo fértil, ainda inexplorado pelas editoras brasileiras.
Suas obras integram qualquer bibliografia básica de história e estética da música. No Brasil não foi publicado nem mesmo seu primeiro título, "Estética Musical do Setecentos a Hoje", de 1964, monumental revisão do pensamento sobre a música.
A Editora da USP (Edusp) iniciará a publicação das obras do musicólogo a partir do ano que vem. Segundo o professor José Eduardo Martins, da ECA, deve sair do autor "Os Enciclopedistas e a Música" (1971), ensaio que desvela o gérmen romântico na teoria da expressão iluminista.
Seu novo ensaio, "L'Estetica Della Musica", acaba de ser editado na Itália. O pensador trata de, mais uma vez, reivindicar a especificidade e a validade da estética musical na cultura contemporânea.
Música e metafísica são tipos tão distantes de linguagem que é raro achar uma intersecção entre ambos os universos. Os músicos parecem bloqueados a vôos especulativos, ao passo que os filósofos se embaraçam diante da arte dos sons. Fubini escava o túnel entre os dois continentes.
Nessa entrevista exclusiva à Folha, concedida na última quinta-feira na USP, a "avis rara" da reflexão musical afirma que os músicos contemporâneos retornaram à normalidade e, por isso, o estudo da música deve se restringir às pequenas ocorrências.

Folha - Com que tipo de problema o sr. tem se ocupado?
Enrico Fubini - Com as questões metodológicas e me divertido com o judaísmo na música. "Estética da Música" trata pela primeira vez na minha obra da metodologia da música e da pertinência do pensamento musical. Meu livro anterior, "A Música na Tradição Hebraica", demonstra como o pensamento judaico influenciou a criação musical. O dodecafonismo, criado por Arnold Schoenberg (compositor austríaco, 1874-1951), tem como base um princípio unificador; no caso, os doze sons que dariam conta de toda a criação musical. É puro monoteísmo judaico. Continuo estudando o assunto e preparo o segundo volume referente a ele.
Folha - O que o levou a se interessar pela estética da música?
Fubini - Toco violino, mas foi a formação filosófica que me levou a estudar o estatuto da música no Ocidente. Os filósofos não dão atenção ao tema e menos hoje em dia. A crise da filosofia se reflete no pensamento musical.
Folha - Em "Os Enciclopedistas e a Música", o sr. se refere à música como um constante atentado à razão. Por quê?
Fubini - Observei que a música já tinha um estatuto romântico, ou pré-romântico, no estudo de Diderot sobre a expressão musical. Os iluministas já a viam como uma arte cuja assemanticidade, cuja falta de um significado explícito, lhe dava uma qualidade específica. Daí a necessidade da criação de uma disciplina que estudasse a música em suas peculiaridades.
A música produz um modo de escritura diferente da poesia e propõe um modelo de vida no mundo diverso dos das outras artes.
Folha - O sr. concorda com o crítico George Steiner, que diz que, numa realidade pós-utópica como a de hoje, a música cumpre a função de substituir a religião no imaginário da massa?
Fubini - Concordo no que se refere à música jovem. Droga e música têm uma função substitutiva da religião. Quanto à erudita...
Folha - Os formalistas crêem que ela não serve para nada.
Fubini - De tanto pregarem a nulidade de sentido da música, eles se aproximam do misticismo. Veja Igor Stravinski (músico russo, 1882-1971); ele afirmava que a música não exprimia nada, mas, nas suas derradeiras composições, resolveu atribuir a ela uma função simbólica e mística.
Folha - Como o sr. analisa o panorama atual da música?
Fubini - A vanguarda se exauriu e os músicos voltaram à normalidade. Buscam recuperar o clima tonal. Ainda não fazem um som agradável, mas tentam. O período heróico da experimentação criou um panorama fracionado, de ruptura com a tradição. Hoje abandonamos o doutrinarismo da vanguarda e vivemos a liberdade de criação. Tudo é possível e daí o perigo de tudo se homogeneizar.
Com isso, o pensamento sobre a música deve abandonar a globalização e responder a questões pequenas, de sociologia, história e linguagem. Até a normalidade pode trazer desafios.

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