São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 1995
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Celia Cruz torce pela morte de Fidel para voltar a Cuba

A 'rainha da salsa' faz 70 anos no Free Jazz Festival

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Erramos: 21/09/95
Diferentemente do que afirmou título de reportagem publicada à pág. 5-1 ( Ilustrada), a cantora Celia Cruz não disse que "torce", mas que "espera" pela morte do dirigente cubano Fidel Castro.
Celia Cruz é 48, 70, 74 vezes salseira. Conhecida como "rainha da música latina" nos EUA, a mais famosa -e furiosa- artista cubana no exílio completa 70 anos no dia 21 de outubro, quando estiver se apresentando em Porto Alegre, no terceiro espetáculo que faz no Free Jazz Festival.
Celia abre o evento no Palace em São Paulo, dia 17, e canta dia 19 no Metropolitan do Rio. Caetano Veloso participa dos dois shows. Cerca de 70% dos ingressos já foram vendidos.
A cantora acumula 48 anos de carreira e acaba de lançar seu 74º disco. Desde 1965 ela adotou um grito de guerra para dar início aos seus shows e realizar breques estratégicos: "Azúcar!" No palco, promete passar alegria ao público.
Mas nem sempre isso é possível. Em entrevista exclusiva à Folha na última quinta-feira, por telefone, de Nova York, Celia se mostrou triste com a situação política de Cuba.
"Espero pela morte de Fidel Castro para eu poder voltar e morrer por lá", disse. "Não é possível que ele viva cem anos. Se viver, morro em qualquer lugar, Nova York, Venezuela, Brasil."
Celia contou que o dirigente cubano Fidel Castro a proibiu de voltar a Havana para ir ao enterro de sua mãe. O fato a magoou. Afirmou também que a população cubana "vive escravizada".

Folha - Você voltará a Cuba?
Celia Cruz - Sim, mas não sei quando. Espero pela morte de Fidel Castro para eu poder voltar e morrer por lá. Não é possível que ele viva cem anos. Ninguém vive. Se viver, morro em qualquer lugar, Nova York, Venezuela, Brasil. Tenho familiares em Cuba. O regime não gosta de mim, proíbe meus discos e meu retorno.
Em 1962, quando minha mãe morreu, solicitei permissão para enterrá-la, mas nem isso me deixaram. Isso é muito triste para uma mulher como eu, que devo tudo a minha mãe. Mas sigo adiante.
Folha - Você fez vários papéis no cinema, sempre como vidente. Além disso, há nos EUA o Círculo de Amigos Psíquicos de Celia (serviço de consulta telefônica). Você é feiticeira?
Celia - Sou mística, mas não tenho nada a ver com feitiços. Dei o nome à linha para ajudar alguns amigos. São só papéis. Não troco a fé católica por nenhuma outra.
Folha - Que papel tem o catolicismo em Cuba?
Celia - O povo cubano vive escravizado, sob uma bota. Não pode decidir sobre nada, nem fazer compras. Mas não há mal que sempre dure. Falemos de música.
Folha - O que é salsa?
Celia - Um nome comercial para abrigar todos os ritmos cubanos: rumba, guaracha e outros. Me considero uma guaracheira e tudo o que sei aprendi em meu país, com os instrumentos típicos. Hoje usamos instrumentos de jazz e baixo elétrico. Mas a raiz é folclórica.
Folha - Suas influências.
Celia - Me comparam com Ella Fitzgerald, mas não tem nada a ver. Quando comecei a me apresentar nos EUA, nos anos 50, havia Machito (percussionista) e Xavier Cugat (chefe de orquestra) que praticavam os sons cubanos. Mas a minha influêcia maior foi a cantora Paulina Alvarez. Quando era criança, eu a via cantar nos bailes, quando não havia restrições de idade. Ficava na borda do palco encantada, admirando aquela mulher.
Folha - E o afro-cubano?
Celia - Gosto mesmo é de música de negros. Mas parei de cantar afro-cubano porque não era comercial. Além disso era uma música muito chata, canções de protesto que mostravam o negro se queixando o tempo todo. Busco a alegria em tudo o que canto.
Folha - Você conheceu Carmen Miranda?
Celia - Sim, claro! Foi no clube Tropicana, em 1950. Eu gostava dela, mas a fã da família era minha irmã mais nova, a Gladys, que colecionava tudo de Carmen. Chegei a bater papo com ela.
Folha - Que músicas brasileiras você canta?
Celia - "Copacabana" e "Mulher Rendeira" (canta em português). Uma maravilha. Gosto também do Caetano. Ele é meu fã. Vamos cantar duas músicas juntos no Brasil, mas ainda não decidi quais.
Folha - Por que "azúcar"?
Celia - Estava num restaurante em Miami, esperando pelo café. Os cubanos tomam café bem forte. E não é que o garçom, um cubano, me perguntou se eu queria açúcar? Respondi: "Olha, rapaz, você é cubano e não sabe que gostamos de açúcar!?"
Naquela noite, eu me apresentei no restaurante. O garçom me reconheceu e gritou: "Açúcar!" Ficou o grito, coincidindo com o maior produto de Cuba e minha alegria no palco. Tem gente me chama direto de Açúcar.
Folha - Como você se sente em ser Doutor Honoris Causa pela Universidade de Yale?
Folha - Muito orgulhosa. Não menosprezo meu trabalho que é a música popular. Para mim a música é a alma dos povos. Divulgo a cultura do meu país. Pode me chamar de doutora, em salsa.

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