São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 1995
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Mitchell volta ao país com grupo do Harlem

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O coreógrafo norte-americano Arthur Mitchell é uma das ilustres personalidades que o 5º Festival Internacional de Artes Cênicas trará ao Brasil em outubro. Um dos pilares da história da dança americana, Mitchell foi o primeiro negro a ingressar, em 1955, na maior e mais tradicional companhia dos Estados Unidos, o New York City Ballet, onde dançou durante 15 anos.
Em 1965, foi convidado para fundar, no Rio de Janeiro, o Ballet Nacional do Brasil. "O Rio é parte do paraíso feito por Deus", diz Mitchell. Quatro anos depois, fundou o Dance Theatre of Harlem, que se apresenta no Teatro Municipal de São Paulo nos dias 25 e 26 de outubro.
O Dance Theatre of Harlem nasceu com o objetivo de criar oportunidades para crianças pobres e negras. Hoje, é uma instituição educacional que, à parte o grupo de dança, reúne mais de 1.300 jovens vindos de várias partes do mundo.
À frente da escola e do elenco de dança, Mitchell, hoje com 61 anos, continua esbanjando energia, otimismo e bom humor. Amigo de Nelson Mandela, ele menciona o líder político africano como uma das quatro pessoas que influíram em sua formação. Os outros três são o líder pacifista Martin Luther King Jr., o coreógrafo George Balanchine e Lincoln Kirstein, escritor e fundador do New York City Ballet.

Folha - Você enfrentou preconceitos quando dançou no New York City Ballet?
Arthur Mitchell - Felizmente, tive a sorte de encontrar dois grandes homens da história do balé: George Balanchine e Lincoln Kirstein, que dirigiam o New York City Ballet. Eles me convidaram para integrar a companhia e isso incomodou muita gente.
Aos que se manifestaram contra minha presença, Balanchine e Kirstein disseram: "Se não estão contentes, saiam! Mitchell é muito talentoso e nós lhe daremos uma chance". Eles criaram um ambiente favorável ao meu sucesso.
Trabalhei duro, dancei todo o repertório e consegui ser bailarino principal. Lá, eu sabia que era o único, mas sentia que representava alguma coisa maior.
Folha - De que maneira Martin Luther King inspirou você?
Mitchell - Doutor King começou subjetivamente, falando apenas para a população negra. Com o tempo, percebeu que isto não era suficiente e passou a se dirigir a todas as pessoas. Esta foi a primeira coisa que aprendi com ele.
No início, eu dançava para a comunidade negra. Hoje, minha dança é para todos os povos, porque é assim que o mundo caminha. No elenco atual do Dance Theatre of Harlem temos gente do Brasil, França, Japão, China, Alemanha. Somos essa mistura toda, essa espécie de feijoada (dá uma gargalhada). Isto é o que faz a companhia diferente.
Folha - Por que você resolveu criar versões crioulas de balés como "Giselle"?
Mitchell - No início, o pessoal do Dance Theatre of Harlem achava os clássicos enfadonhos. Mas, à medida que fazíamos sucesso senti que deveríamos encenar também as obras clássicas, que são apreciadas pelo público.
Refleti se faria sentido, para uma companhia de negros, interpretar esse tipo de balé. Comecei a pesquisar a história da escravatura americana e resolvi transportar a história de "Giselle" para Louisiana, em Nova Orleans, com mulheres mulatas, que gostavam de dançar. Música e coreografia originais foram mantidas, só que o ambiente era outro.
Todo mundo olha para a Europa como o continente moderno. A Europa tem muito o que nos ensinar, mas não podemos esquecer de nós próprios, de nosso país, de nossa cultura. Se juntarmos o clássico com alguma coisa nossa, o resultado é completamente diferente. Mas é nosso.
Folha - Como você formou o elenco do Dance Theatre of Harlem?
Mitchell - Influenciado por Martin Luther King, eu queria tirar as crianças pobres das ruas. A elas queria ensinar técnica, disciplina, envolvê-las com as artes, porque arte exige disciplina.
Voltei à minha comunidade e comecei esse trabalho no Harlem com 30 crianças e dois bailarinos. Em quatro meses consegui reunir 800 crianças.
Provamos que através das aulas de dança essas crianças podiam desenvolver a auto-estima, o orgulho próprio. Ao adquirir esses sentimentos, mudavam a conduta, a maneira de sentar, de se vestir, de falar, de ler...
O que fizemos foi ensinar cada um a ter orgulho de si mesmo. Todos diziam que eu estava louco. Mas, mais uma vez, contei com a ajuda de Balanchine, que achou tudo maravilhoso e me deu cenários e figurinos para montar meus balés.

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